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Pedro Carreiro
Publicado em 6 de julho de 2025 às 15:30
Aos 19 anos, Hugo Santana carrega nas costas mais do que o nome em uma camisa. Traz consigo uma vida inteira dedicada ao futebol. Natural de Pojuca, no interior da Bahia, chegou ao Vitória aos 10 anos e, desde então, cresceu dentro do clube não só como atleta, mas principalmente como ser humano. Foram anos de treinos, estudos, mudanças de cidade, rotina puxada, pressão por resultados e amadurecimento precoce. >
Hoje, sabe como poucos o que significa abrir mão de parte da infância para perseguir um sonho. Sua trajetória revela como é crescer dentro da estrutura de um clube de futebol, lidando desde cedo com responsabilidades que moldam não só o jogador, mas o homem por trás do uniforme.>
A infância em Pojuca foi regada a bola, pega-pega e esconde-esconde. "Nunca fui muito de videogame, computador ou celular. Gostava mesmo era de estar na rua", relembra ao CORREIO. A paixão pela bola, que já pulsava na família com o pai e o tio que jogavam, acendeu cedo. Aos seis anos, ele já dava seus primeiros toques numa escolinha. Foi ali que a semente do sonho germinou, embora só por volta dos 13 para 14 anos tenha tido a certeza de que queria seguir o futebol como profissão. >
Com oito anos, o horizonte se abriu ainda mais quando migrou para um núcleo do Vitória em Pojuca, sob a batuta de Eudes. Foi através dessa escolinha que teve a oportunidade de disputar a Copa Rubro-Negra, onde seu desempenho como lateral esquerdo chamou a atenção.>
Pouco tempo depois, o clube realizou uma peneira na cidade. Foi ali que carimbou o passaporte para o Barradão. “Cheguei a jogar só cinco minutos e me chamaram para jogar com os meninos mais velhos. Depois da partida, tive uma reunião e fui chamado para iniciar os testes no clube no ano seguinte”, recorda.>
O primeiro dia na Toca do Leão foi “espetacular”. Vindo do interior e pisando pela primeira vez na capital, ficou impressionado com a estrutura do local. Mesmo chegando atrasado, entrou em campo por cerca de 10 minutos, fez um gol e deu uma assistência. O treinador Luciano Pereira perguntou seu nome. Isso o deixou animado, acreditando que já havia despertado interesse com sua performance.>
Durante os três primeiros anos nas categorias de base do Vitória, o jovem atleta continuou morando em Pojuca, mas enfrentava, ao lado do pai, Jocival, uma rotina de sacrifício quase diário. Dos 10 aos 13 anos, pai e filho encaravam uma verdadeira maratona: entre três e quatro vezes por semana, saíam da cidade natal — a cerca de 75 km de Salvador — para que ele pudesse treinar na capital e retornar no mesmo dia. A jornada, que se estendia das 11h até as 19h ou 20h, exigia resistência e determinação, antecipando os desafios que ainda estavam por vir. >
Aos 13 anos, precisou tomar uma das decisões mais difíceis da infância: deixar Pojuca. A mudança representava o afastamento da família e do ambiente ao qual estava habituado.>
"Sair do interior, onde tudo era perto de casa, eu conhecia todo mundo e já estava adaptado, vivendo na minha zona de conforto, foi um grande desafio. Vim sozinho para a capital, encarar o novo, longe de tudo o que era familiar", revela.>
Em Salvador, o adolescente se deparou com um mundo completamente diferente, que exigia autonomia. Aprender a se locomover de ônibus e metrô, lidar com responsabilidades cotidianas e “resolver a maioria das coisas sozinho” fizeram parte do processo.>
"No começo, tudo era muito estranho, diferente do que eu estava acostumado. Mas, com o tempo, acabei me adaptando. Eu tinha um foco maior, um objetivo claro, e isso fez com que essas dificuldades iniciais não me afetassem tanto", destaca.>
Por ser ainda muito jovem para morar nos alojamentos do clube, passou o primeiro ano na casa dos tios, Daniel e Elen. A proximidade da residência com a escola e o Barradão facilitava a rotina. Além disso, o apoio constante do tio, sempre presente com conselhos e suporte, tornou a transição menos traumática. As visitas frequentes do pai aos finais de semana também contribuíram para tornar o período mais leve.>
Quando completou 14 anos e pôde se mudar para o alojamento do clube, a adaptação ganhou novo fôlego. Ele descreve o espaço como “muito bom”, com quartos compartilhados entre três atletas, ar-condicionado, armários e banheiro, um ambiente onde “tinha tudo e não faltava nada”.>
Mesmo nos momentos mais delicados do Vitória, como durante a queda da Série B para a Série C, reconhece que o essencial nunca deixou de ser oferecido. Embora admita que em alguns momentos tenha havido carência de estrutura, como suplementos e acompanhamento especializado, faz questão de reforçar que o básico esteve sempre garantido.>
A rotina nas categorias de base do Vitória passou por mudanças consideráveis ao longo dos anos. No início, os treinos aconteciam apenas duas vezes por semana. Com o avanço nas categorias, a carga aumentou progressivamente, chegando a cinco ou seis sessões semanais. Até o Sub-15, o dia começava com as aulas e terminava nos treinos da tarde. A partir do Sub-17, a dinâmica se inverteu: os treinamentos passaram para o turno matutino e os estudos ficaram para o período da tarde. >
O clube sempre reforçou a importância da educação formal. A cobrança por presença e bom desempenho escolar era constante. As mães sociais, responsáveis por acompanhar os atletas na rotina fora de campo, exerciam papel essencial nesse processo, oferecendo apoio em atividades, trabalhos e provas.>
"Não sei como é hoje, mas antigamente quem não frequentava a escola podia até receber punição financeira ou ser tirado dos treinos", explica.>
Ele reconhece que, em alguns períodos, teve dificuldades para conciliar as duas responsabilidades. A rotina intensa cobrava seu preço. Chegou a receber uma proposta de bolsa integral em um colégio particular, mas acabou recusando. Os horários conflitantes comprometeriam sua presença nos treinos, forçando-o a chegar atrasado ou a lidar com uma rotina ainda mais acelerada.>
Apesar dos desafios, o comprometimento com os estudos prevaleceu. Atualmente cursa Educação Física e consegue conciliar os treinos com a graduação. Para ele, o equilíbrio entre futebol e formação acadêmica é essencial.>
"Acho que os estudos precisam caminhar junto com o futebol. A carreira no esporte é muito rápida, dura de 10 a 15 anos, isso se o atleta se cuidar bem. Depois disso, ainda tem uma vida inteira pela frente, e é fundamental ter algo para fazer quando a carreira termina", afirma.>
Crescer em um ambiente competitivo, distante da família, levou o jovem atleta a amadurecer mais cedo e a desenvolver uma visão mais ampla sobre o mundo. O convívio com pessoas de diferentes origens, ideias e histórias de vida contribuiu para que aprendesse a lidar com a diversidade e a se tornar mais responsável em suas escolhas. >
"Percebi que grande parte do que a gente aprende vem de ouvir mais, de estar aberto ao que os outros têm a agregar na nossa caminhada", reflete.>
Com a convicção de quem percorreu um caminho único, acredita que seria uma pessoa diferente caso tivesse escolhido outra trajetória.>
"Lá no interior, eu teria acabado vivendo numa bolha, sem as experiências que tive aqui em Salvador, como fazer tudo sozinho, morar sozinho, me adaptar a um ambiente novo e conquistar minhas coisas com a idade que tenho. Tenho certeza de que, se o futebol não tivesse entrado na minha vida como profissão, minha trajetória teria sido outra", analisa.>
A pressão de "dar certo" no futebol não foi um fardo inicial, já que o pai sempre o tranquilizou em relação a isso. Com o passar dos anos, no entanto, uma cobrança interna passou a pesar mais. A ansiedade se tornou um obstáculo que precisou aprender a administrar. >
Apesar da resiliência que o define, o caminho não foi isento de espinhos. Uma lesão recente no joelho o afastou dos gramados por seis meses, entre dezembro e maio, privando-o de competir em torneios importantes como a Copinha e o Campeonato Brasileiro. Em momentos como esse, ele admite já ter pensado em desistir.>
"Você começa a sentir o sonho mais distante, especialmente quando a idade vai chegando, no último ano de base, e as coisas não caminham como você esperava. É aí que esses pensamentos começam a aparecer", revela.>
Foi nesse abismo emocional que encontrou refúgio na fé e na família. As conversas com o pai, seu porto seguro, e a confiança em Deus o ajudaram a seguir firme na caminhada.>
"Lesões e momentos difíceis são parte da profissão. Todo atleta passa por isso. Mas o importante é superar e correr atrás, dobrando o esforço pelo tempo perdido", afirma.>
Em 2024, deu um passo decisivo rumo ao futebol profissional. Naquele ano, integrou o elenco do Itabuna por meio de uma parceria com o Vitória, que cedeu alguns atletas para a disputa da Série D do Campeonato Brasileiro. Foi com a camisa do Dragão do Sul que disputou suas primeiras partidas como profissional — oito ao todo — e guarda a experiência com carinho. >
Relembra com entusiasmo o desempenho da equipe, formada majoritariamente por jogadores sub-23, que conseguiu a classificação antecipada para a fase seguinte da competição. Mais do que os resultados, foi o contato com o ambiente profissional que marcou sua trajetória.>
"Foi uma experiência muito boa perceber, na prática, a diferença entre o futebol profissional e o futebol de base. A velocidade do jogo, os adversários com propostas diferentes, jogadores mais velhos e experientes, com um entendimento maior do jogo. Tudo isso acaba te ensinando muito e te dá uma bagagem importante para seguir na carreira", analisa.>
Podendo atuar como segundo volante ou meia, define-se como um jogador dinâmico, com mobilidade, velocidade e capacidade de controlar o ritmo da partida, o famoso “box to box”. Entre suas principais virtudes estão a liderança, a leitura de jogo, a infiltração e os passes em profundidade, características que vêm se destacando em sua trajetória. >
Apesar do perfil promissor, reconhece que ainda há pontos a serem desenvolvidos. Entre os aspectos que busca aprimorar estão a tomada de decisões, a presença mais frequente na área adversária, a finalização e o cabeceio.>
Para evoluir, se espelha em nomes de peso. Cristiano Ronaldo, Özil e Vitinha estão entre suas principais referências.>
“São jogadores que são verdadeiras referências em suas posições, que se cuidam muito e demonstram um alto nível de profissionalismo dentro e fora de campo”, destaca.>
Entre todos os sacrifícios que o futebol impôs, a distância da família é apontada como o mais difícil de suportar. Ele lamenta ter perdido aniversários, comemorações e momentos importantes, além de ter crescido longe dos pais. Ainda assim, acredita que, com organização, conseguiu viver plenamente sua infância e adolescência, sem grandes privações além da ausência física da família. >
Quando pensa no momento mais marcante da trajetória até aqui, não hesita: os anos em que ainda morava em Pojuca e precisava viajar frequentemente a Salvador para treinar. O que torna essa lembrança tão forte é, sobretudo, o papel do pai na sua formação.>
“Sou muito grato ao meu pai por ter me dado todo o apoio, sempre ao meu lado. Em todos os momentos, bons ou difíceis, ele estava ali comigo, me apoiando em tudo. Isso fez toda a diferença na minha caminhada”, ressalta.>
Com a bagagem adquirida ao longo dos anos e os desafios já superados, o sonho de se tornar jogador profissional segue firme, como um farol que guia seus passos. Para isso, dedica-se a mostrar seu futebol com consistência e evolução constante, sempre com um objetivo maior em mente: retribuir aos pais tudo o que fizeram por ele.>
“Quero poder reformar a casa dos meus pais e oferecer a eles uma estrutura de vida melhor. Meu maior desejo é dar a eles liberdade e conforto, retribuir tudo o que meu pai fez por mim ao longo dessa caminhada”, projeta.>