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Maria Raquel Brito
Publicado em 29 de outubro de 2025 às 06:00
Mais tempo na estrada, perigo de acidentes e deslizamentos. Desde maio, motoristas de veículos de grande porte que precisam passar pela BR-101, na altura de Eunápolis, enfrentam um transtorno. Isso porque a ponte sobre o Rio Jequitinhonha, que facilitava o caminho, está parcialmente interditada desde maio, fazendo com que motoristas precisem passar pelo chamado desvio da Veracel para seguir caminho. Há pelo menos um ano já se sabia que a ponte apresenta riscos. >
Em dias comuns, esse desvio acrescenta até três horas ao percurso de caminhoneiros e motoristas de ônibus. Com as fortes chuvas dos últimos dias, porém, a estrada de terra ficou cheia de buracos e lama, aumentando ainda mais o tempo de viagem e a ameaça de graves acidentes. >
“No tempo seco é muita poeira e buracos. No tempo chuvoso é atoleiro, buracos também e muita lama. Os caminhões escorregam muito por conta disso, muitas vezes o trânsito fica bloqueado. O caminhão escorrega, atravessa a via e trava tudo", conta o caminhoneiro Marcio Carneiro.>
Frustrado, ele afirma que há muito prejuízo e o trecho não tem estrutura adequada para comportar tantos veículos pesados, além de não ter ao longo da rota nenhum posto de gasolina, comércio ou sinal de celular. "Então até um socorro, uma assistência fica difícil em caso de algum problema mecânico ou de algum acidente. Aliás, problema mecânico é algo recorrente por ali e o socorro, extremamente demorado. Só anteontem [dia 27], foram cinco caminhões e um ônibus quebrados, tudo por conta das péssimas condições do desvio", diz.>
Marcio é um dos muitos motoristas que passam frequentemente por esse trecho. O desvio, que atualmente é a principal rota alternativa à ponte interditada, compreende as rodovias estaduais BA-274, BA-658, BA-275 e BA-687. São aproximadamente 75 km de extensão, dos quais cerca de 50 km ainda não são pavimentados.>
Estado do desvio da Veracel deixa motoristas apreensivos
É um trajeto crucial para a economia regional. De acordo com a Federação da Agricultura e Pecuária da Bahia (Faeb), a região impactada engloba 70 municípios – dentre eles, pontos turísticos como Porto Seguro – e mais de dois milhões de habitantes. Nesses locais, há forte presença de cadeias produtivas como cacau, café, leite, mamão, banana, pecuária de corte, pescados e mariscos, além de indústrias de papel, celulose, móveis e frigoríficos.>
A BR-101, onde a ponte está localizada, é uma das rodovias mais importantes do país e a segunda mais extensa, com aproximadamente 4.500 km de comprimento. A via conecta 12 estados das regiões Nordeste, Sul e Sudeste. >
O impacto também se faz presente nas vidas dos moradores de municípios que circundam o desvio. Mathyas Barreto, morador e vereador de Belmonte, conta que o problema vem “se arrastando”, com a ponte apresentando sinais de deterioração e falta de manutenção há um longo tempo. >
“Belmonte está praticamente isolada, e os moradores de Santa Maria Eterna, que vivem às margens do desvio, enfrentam diariamente poeira, riscos à saúde e desgaste de suas casas e comércios. O tráfego pesado de caminhões e carretas transformou o distrito em um verdadeiro corredor de passagem, sem estrutura para isso. Além dos problemas de saúde e mobilidade, há uma sensação de abandono. De que o sul da Bahia foi esquecido nas prioridades de infraestrutura do Estado”, diz.>
O risco está posto há pelo menos um ano. Isso porque, em outubro do ano passado, durante o Congresso Brasileiro do Concreto, especialistas apresentaram um artigo com a avaliação estrutural da ponte sobre o Rio Jequitinhonha, como mostrou reportagem da edição de fim de semana do CORREIO publicado em março deste ano. As condições, de acordo com o estudo, eram críticas: nota 1 de uma escala que vai até 5. A nível de comparação, a ponte Juscelino Kubitschek de Oliveira (JK) – que fica entre os estados de Tocantins e Maranhão, e provocou 14 mortes ao desabar no dia 22 de dezembro de 2024 – foi avaliada com nota 2. >
O tráfego de veículos de carga na ponte foi interrompido pela primeira vez meses depois da apresentação do artigo, em janeiro deste ano. No início de maio, foi suspenso novamente, dessa vez por 15 dias.>
No dia 2 de agosto, mais uma interrupção: de acordo com o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), o monitoramento das condições da ponte havia identificado o aumento das vibrações na travessia. >
Em vista disso, o Dnit determinou três rotas alternativas. O trecho da BA-275, construído anteriormente pela Veracel Celulose, era o mais curto dos três, totalizando 451 quilômetros – enquanto as outras opções têm, cada uma, 684 e 849 quilômetros. Pela distância mais curta, foi indicado para tráfego local de carros de passeio e veículos especiais como viaturas, ambulâncias, caminhões de abastecimento, ônibus e linhas de transporte, mas rapidamente se transformou na alternativa mais acessada. Estreita e majoritariamente de terra, porém, a estrada gera comentários de frustração por parte dos condutores. >
Ainda em julho, foi autorizada a elaboração dos projetos de engenharia para a construção de uma nova travessia no quilômetro 661 da BR-101, com investimento de aproximadamente R$104,7 milhões do Governo Federal.>
Nesta semana, diante do colapso dos desvios, um requerimento foi enviado ao Dnit cobrando informações sobre a ponte e as medidas adotadas para garantir a segurança do tráfego na BR-101. O documento é de autoria do deputado federal Neto Carletto (Avante). >
Quem também quer saber mais sobre a nova ponte é o caminhoneiro Sérgio Barbosa. Nas estradas desde que se entende por gente, ele já rodou o Brasil e passa pelo trecho da BR-101 três vezes ou mais por mês. Agora, porém, tem evitado ao máximo. Cientes da resistência dos condutores, as empresas para as quais Sérgio presta serviço têm oferecido um valor extra aos caminhoneiros para que aceitem continuar transportando as mercadorias para aquela região.>
“Eles precisam entregar o material aos clientes, mas ninguém quer ir. Essa semana foi a pior, um carro deslizou, virou de ré, quase virou. Foram dois dias para atravessar, ninguém conseguia. Eu, se chover, não entro mais lá. Se eu souber que vai chover, fico em Itabuna ou Eunápolis e espero passar, porque você entra arriscando perder seu caminhão ou sofrer um acidente”, diz.>
Ao CORREIO, o Dnit afirmou que a expectativa é de que as obras da nova ponte comecem até a primeira quinzena de novembro. De acordo com o departamento, a contratação emergencial para a reabilitação da ponte existente e construção da nova ponte foi realizada em duas fases, sendo a primeira etapa para elaboração dos projetos de engenharia para posterior início da execução das obras. >
“A Autarquia informa que o projeto de reforço da ponte existente já foi aprovado e estes serviços já foram iniciados. Quanto à ponte nova, o projeto executivo está em desenvolvimento”, disse, em nota. >