Cadastre-se e receba grátis as principais notícias do Correio.
Maria Raquel Brito
Publicado em 11 de novembro de 2025 às 06:30
Quando surgiram, as guardas municipais tinham como principal função a preservação do patrimônio urbano. Em 1988, quando foi pensado o esquema de segurança pública para a Constituição Federal, a responsabilidade passou a ser resguardar o patrimônio e assuntos mais próximos das comunidades. De lá para cá, as coisas foram mudando. Na Bahia, com o avanço das facções criminosas, foi crescendo proporcionalmente o número de cidades com suas próprias guardas municipais.>
Dos 417 municípios baianos, 199 têm suas guardas municipais – em termos percentuais, o equivalente a 47,72% do estado. É o maior em números absolutos em relação às outras unidades do Nordeste, mas, proporcionalmente, cai para o quarto lugar, atrás de Alagoas (53,92%), Ceará (48,37%) e Pernambuco (48,11%). Dessas 199 cidades, pelo menos 18 têm guardas armadas. >
A regulamentação do uso de armas de fogo por agentes desse órgão veio em 2014, e a mudança na atuação das guardas municipais está diretamente relacionada ao crescimento da violência no país – cenário que chama ainda mais atenção na Bahia, o segundo estado mais letal do Brasil e onde estão cinco das dez cidades mais violentas do país.>
“O crescimento da violência na Bahia tem relação direta com a manutenção das antigas e renovadas formas de fazer segurança pública, sobretudo, quando estamos falando de territórios violentados. Então, a violência é o expediente, a letalidade é vista como eficácia e eficiência”, diz Dudu Ribeiro, integrante da rede de Observatórios de Segurança e cofundador e coordenador executivo da Iniciativa Negra por uma Nova Política sobre Drogas.>
Guardas municipais da Bahia
De acordo com o especialista, o que tem acontecido é um movimento nacional de incorporação das guardas municipais ao modelo já conhecido de segurança pública, que se baseia no confronto e expõe ainda mais os agentes à lógica de guerra. “A questão é que as guardas muito rapidamente passam a ser gestadas por ex-policiais ou por servidores ativos cedidos a esse equipamento, que também cumpre o lugar de um tipo de polícia municipal, que não era a intenção da sua fundação. Os prefeitos passam a requerer uma polícia própria e a estrutura das guardas passa a ser cada vez mais militarizada, no seu conceito, na sua linguagem, na sua gramática”, afirma.>
Os números relativos às guardas municipais no Brasil foram divulgados no Diagnóstico Nacional das Guardas Municipais, lançado pelo Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos. Este é o primeiro levantamento do tipo, e aborda a estrutura, o efetivo, a capacitação e a atuação dessas corporações em todo o território brasileiro. >
A pesquisa, conduzida pela Universidade Federal de Viçosa (UFV), em parceria com a Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp) e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), faz parte do monitoramento para o Programa Município Mais Seguro, divulgado através do Diário Oficial da União (DOU). A iniciativa prevê a destinação de R$ 171 milhões para apoio técnico e financeiro a municípios brasileiros que queiram ampliar a atuação das Guardas Municipais.>
As localidades que receberão o incentivo e os valores destinados ainda não foram divulgados pelo Ministério - a pasta afirmou que os repasses dependem da adesão dos municípios ao programa. Em nota, disse que o programa foi estruturado em fases, sendo que a primeira contemplará exclusivamente os municípios com efetivo superior a 100 guardas municipais, e que os editais de chamamento serão publicados ainda neste ano, com pactuação prevista para 2026.>
Desse investimento, a maior parte (mais de R$ 100 milhões) vai para o Projeto Nacional de Qualificação do Uso da Força, que contempla equipamentos de proteção individual, armas de menor potencial ofensivo – como espargidores e armas de incapacitação neuromuscular (AINMs) – e treinamentos e capacitações. Para a etapa de Capacitação e Formação Profissional, que prevê cursos presenciais e integrados com foco na prevenção da violência e no uso qualificado da força, o investimento será de R$ 5,6 milhões – quase 18 vezes a menos.>
Para Pablo Nunes, coordenador do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC) e membro do conselho técnico do Laboratório de Dados Fogo Cruzado, a divisão de funções dos órgãos de segurança já foi pensada de maneira insuficiente há quatro décadas, fruto de um diagnóstico impreciso da segurança pública brasileira. Agora, segundo ele, o problema se amplia ao empoderar as guardas municipais quase como polícias.>
“Por isso, não me surpreende que o pacote proposto pelo Governo Federal seja focado em grande parte na aquisição de equipamentos, porque é isso que o Governo Federal tem feito nos últimos anos, até das últimas décadas, em relação à segurança pública. Um papel único e exclusivo de comprar equipamentos e de municiar essas instituições com armamento”, diz.>
“É óbvio, é muito importante que se produzam políticas públicas novas para dar respostas para a população em relação à segurança pública, mas me parece que criar novas guardas orientadas para uma estratégia que já orienta as polícias estaduais, não me parece que vai resolver. É quase exigir ou esperar um resultado diferente de uma equação que permanece a mesma”, completa.>
Por ter função de proteção preventiva e porte de armas, a Guarda Municipal também tem a indicação de usar câmeras corporais nas fardas, assim como as polícias estaduais. Em todo o Nordeste, porém, esse nível é baixo – dos municípios que participaram do levantamento do Ministério da Justiça, apenas 1,92% faz uso desse equipamento. Na Bahia, de 80 respondentes, apenas dois municípios declararam utilizá-las: Feira de Santana e Jitaúna. De acordo com a Guarda Civil Municipal (GCM) de Salvador, há previsão de início de uso na capital baiana para o próximo ano.>
Nunes diz que a situação atual é lamentável: “A gente tem uma política que não tem produzido resultados significativos para os nossos problemas e agora, de uma hora para a outra, cria novas entidades, novas instituições de polícia que vão seguir a mesma lógica: essa lógica de armamentos, repressão e militarização. Me parece que é um reinvestimento, agora aprofundado nas mesmas estratégias que têm sido adotadas e que não têm resultado em efeitos práticos para a população.”>