Acesse sua conta
Ainda não é assinante?
Ao continuar, você concorda com a nossa Política de Privacidade
ou
Entre com o Google
Alterar senha
Preencha os campos abaixo, e clique em "Confirma alteração" para confirmar a mudança.
Recuperar senha
Preencha o campo abaixo com seu email.

Já tem uma conta? Entre
Alterar senha
Preencha os campos abaixo, e clique em "Confirma alteração" para confirmar a mudança.
Dados não encontrados!
Você ainda não é nosso assinante!
Mas é facil resolver isso, clique abaixo e veja como fazer parte da comunidade Correio *
ASSINE

Cidades baianas criam forças próprias para conter a violência

Dos 417 municípios, 199 têm guardas civis; dessas, ao menos 18 são armadas

  • Foto do(a) author(a) Maria Raquel Brito
  • Maria Raquel Brito

Publicado em 11 de novembro de 2025 às 06:30

Guarda Civil de Itabuna instituiu o Regulamento de Armamento e Munição em julho deste ano
Guarda Civil Municipal de Itabuna instituiu o Regulamento de Armamento e Munição em julho deste ano Crédito: Divulgação/Prefeitura de Itabuna

Quando surgiram, as guardas municipais tinham como principal função a preservação do patrimônio urbano. Em 1988, quando foi pensado o esquema de segurança pública para a Constituição Federal, a responsabilidade passou a ser resguardar o patrimônio e assuntos mais próximos das comunidades. De lá para cá, as coisas foram mudando. Na Bahia, com o avanço das facções criminosas, foi crescendo proporcionalmente o número de cidades com suas próprias guardas municipais.

Dos 417 municípios baianos, 199 têm suas guardas municipais – em termos percentuais, o equivalente a 47,72% do estado. É o maior em números absolutos em relação às outras unidades do Nordeste, mas, proporcionalmente, cai para o quarto lugar, atrás de Alagoas (53,92%), Ceará (48,37%) e Pernambuco (48,11%). Dessas 199 cidades, pelo menos 18 têm guardas armadas.

A regulamentação do uso de armas de fogo por agentes desse órgão veio em 2014, e a mudança na atuação das guardas municipais está diretamente relacionada ao crescimento da violência no país – cenário que chama ainda mais atenção na Bahia, o segundo estado mais letal do Brasil e onde estão cinco das dez cidades mais violentas do país.

“O crescimento da violência na Bahia tem relação direta com a manutenção das antigas e renovadas formas de fazer segurança pública, sobretudo, quando estamos falando de territórios violentados. Então, a violência é o expediente, a letalidade é vista como eficácia e eficiência”, diz Dudu Ribeiro, integrante da rede de Observatórios de Segurança e cofundador e coordenador executivo da Iniciativa Negra por uma Nova Política sobre Drogas.

Guarda Municipal de Ibotirama foi às ruas pela primeira vez em 2020 por Divulgação/Prefeitura de Ibotirama

De acordo com o especialista, o que tem acontecido é um movimento nacional de incorporação das guardas municipais ao modelo já conhecido de segurança pública, que se baseia no confronto e expõe ainda mais os agentes à lógica de guerra. “A questão é que as guardas muito rapidamente passam a ser gestadas por ex-policiais ou por servidores ativos cedidos a esse equipamento, que também cumpre o lugar de um tipo de polícia municipal, que não era a intenção da sua fundação. Os prefeitos passam a requerer uma polícia própria e a estrutura das guardas passa a ser cada vez mais militarizada, no seu conceito, na sua linguagem, na sua gramática”, afirma.

Diagnóstico inédito

Os números relativos às guardas municipais no Brasil foram divulgados no Diagnóstico Nacional das Guardas Municipais, lançado pelo Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos. Este é o primeiro levantamento do tipo, e aborda a estrutura, o efetivo, a capacitação e a atuação dessas corporações em todo o território brasileiro.

A pesquisa, conduzida pela Universidade Federal de Viçosa (UFV), em parceria com a Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp) e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), faz parte do monitoramento para o Programa Município Mais Seguro, divulgado através do Diário Oficial da União (DOU). A iniciativa prevê a destinação de R$ 171 milhões para apoio técnico e financeiro a municípios brasileiros que queiram ampliar a atuação das Guardas Municipais.

As localidades que receberão o incentivo e os valores destinados ainda não foram divulgados pelo Ministério - a pasta afirmou que os repasses dependem da adesão dos municípios ao programa. Em nota, disse que o programa foi estruturado em fases, sendo que a primeira contemplará exclusivamente os municípios com efetivo superior a 100 guardas municipais, e que os editais de chamamento serão publicados ainda neste ano, com pactuação prevista para 2026.

Desse investimento, a maior parte (mais de R$ 100 milhões) vai para o Projeto Nacional de Qualificação do Uso da Força, que contempla equipamentos de proteção individual, armas de menor potencial ofensivo – como espargidores e armas de incapacitação neuromuscular (AINMs) – e treinamentos e capacitações. Para a etapa de Capacitação e Formação Profissional, que prevê cursos presenciais e integrados com foco na prevenção da violência e no uso qualificado da força, o investimento será de R$ 5,6 milhões – quase 18 vezes a menos.

Para Pablo Nunes, coordenador do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC) e membro do conselho técnico do Laboratório de Dados Fogo Cruzado, a divisão de funções dos órgãos de segurança já foi pensada de maneira insuficiente há quatro décadas, fruto de um diagnóstico impreciso da segurança pública brasileira. Agora, segundo ele, o problema se amplia ao empoderar as guardas municipais quase como polícias.

“Por isso, não me surpreende que o pacote proposto pelo Governo Federal seja focado em grande parte na aquisição de equipamentos, porque é isso que o Governo Federal tem feito nos últimos anos, até das últimas décadas, em relação à segurança pública. Um papel único e exclusivo de comprar equipamentos e de municiar essas instituições com armamento”, diz.

“É óbvio, é muito importante que se produzam políticas públicas novas para dar respostas para a população em relação à segurança pública, mas me parece que criar novas guardas orientadas para uma estratégia que já orienta as polícias estaduais, não me parece que vai resolver. É quase exigir ou esperar um resultado diferente de uma equação que permanece a mesma”, completa.

Por ter função de proteção preventiva e porte de armas, a Guarda Municipal também tem a indicação de usar câmeras corporais nas fardas, assim como as polícias estaduais. Em todo o Nordeste, porém, esse nível é baixo – dos municípios que participaram do levantamento do Ministério da Justiça, apenas 1,92% faz uso desse equipamento. Na Bahia, de 80 respondentes, apenas dois municípios declararam utilizá-las: Feira de Santana e Jitaúna. De acordo com a Guarda Civil Municipal (GCM) de Salvador, há previsão de início de uso na capital baiana para o próximo ano.

Nunes diz que a situação atual é lamentável: “A gente tem uma política que não tem produzido resultados significativos para os nossos problemas e agora, de uma hora para a outra, cria novas entidades, novas instituições de polícia que vão seguir a mesma lógica: essa lógica de armamentos, repressão e militarização. Me parece que é um reinvestimento, agora aprofundado nas mesmas estratégias que têm sido adotadas e que não têm resultado em efeitos práticos para a população.”