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Maria Raquel Brito
Publicado em 30 de outubro de 2025 às 16:39
 
Um projeto de lei pode fazer com que o Estado da Bahia seja responsabilizado pelas ocorrências durante intervenções policiais no estado e precise prestar assistência às famílias das vítimas. Trata-se do PL nº 25.771/2025, apresentado no fim de maio pela deputada estadual Olívia Santana (PCdoB). >
A matéria em tramitação no Legislativo baiano prevê que o governo preste apoio humanitário acautelatório, de forma a garantir suporte emergencial de renda, assistência social, médica e psicológica a pessoas ou famílias atingidas por disparos de arma de fogo durante operações de segurança pública.>
Segundo a parlamentar, o projeto foi construído de forma coletiva e embasada, ouvindo especialistas em segurança pública e com diálogo junto aos movimentos sociais. “Esse é um projeto sério, discutido com juristas diversos, ouvimos, inclusive, figuras da Defensoria Pública, do Ministério Público. Então, é um projeto consistente, muito bem elaborado, e nós estamos, neste momento, fazendo esse debate democrático”, diz.>
De acordo com o texto, o suporte emergencial de renda será equivalente a um salário mínimo mensal, pelo período de até 12 meses consecutivos, sem prejuízo de cumulação com benefícios de outros programas socioassistenciais, verbas salariais ou proventos de aposentadoria.>
Inocentes mortos em ações policiais
Diz ainda que, no caso de morte de civis em decorrência de operações realizadas por forças policiais estaduais, o Estado deverá assegurar, além do suporte emergencial de renda, auxílio funeral, reparação provisória aos familiares da vítima, atendimento médico e hospitalar integral e gratuito, acompanhamento psicológico contínuo, realizado por equipe multidisciplinar, assistência social permanente – com acompanhamento de vulnerabilidades e encaminhamentos necessários –, e assistência jurídica integral e gratuíta por meio da Defensoria Pública do Estado da Bahia (DPE-BA).>
O projeto de lei recebe esse nome em referência a Ana Luiza Silva dos Santos, morta aos 19 anos no dia 13 de abril deste ano, após ser baleada na barriga durante uma ação policial na Engomadeira. Ela foi atingida a cerca de 20 metros de onde morava, enquanto voltava para casa depois de deixar uma marmita na casa de uma amiga. >
A iniciativa foi discutida durante uma audiência pública realizada na quarta-feira (29), na Assembleia Legislativa da Bahia (Alba). O encontro, com o tema “Lei Ana Luíza: Redução da Letalidade Policial e a Proteção às Famílias das Vítimas Inocentes”, foi conduzido pela deputada Olívia Santana e contou com a presença de familiares e amigos de vítimas de operações policiais no estado, além de representantes de movimentos sociais e órgãos governamentais. >
O ato na Alba foi marcado por pedidos de justiça. Estavam presentes familiares da própria Ana Luiza, além de parentes dos adolescentes Caíque Reis, de 16 anos, que morreu em uma ação policial no bairro de São Marcos, e Gabriel Silva, de 17 anos, morto no último dia 5 de outubro no bairro da Engomadeira, e do menino Gabriel da Silva Conceição Júnior, morto aos 10 anos no dia 23 de julho de 2023, no bairro de Portão, em Lauro de Freitas.>
Familiares das vítimas manifestaram a dor e a indignação decorrentes das perdas em ações do aparato de segurança pública. Elisângela Silva dos Santos de Jesus, mãe de Ana Luíza, afirmou que a data de 13 de abril de 2025 ficou marcada de forma trágica para toda a sua família. “Ana não foi a primeira e não será a última. O Estado precisa ser responsabilizado por tantas vidas inocentes que foram tiradas. Até hoje eu aguardo minha filha chegar da faculdade”, desabafou. >
Jucélia Reis, mãe de Caíque, também externou o anseio por justiça. “Meu filho era um menino alegre, feliz, respeitador, barbeiro, cheio de sonhos. Infelizmente, uma policial ceifou a vida de Caíque. Ele foi executado, não foi bala perdida”, assegurou.>
Durante a audiência pública, o co-fundador da Organização Iniciativa Negra e integrante do Observatório de Segurança Pública da Bahia, Dudu Ribeiro, destacou a urgência de enfrentar a letalidade policial no estado. >
“Vivemos uma lógica que trata as mortes de pessoas negras como mero ‘efeito colateral’ das operações policiais em territórios periféricos. Precisamos romper com essa concepção”, afirmou. Para Dudu Ribeiro, os resultados da megaoperação realizada no Rio de Janeiro no início desta semana expõe de forma trágica como a letalidade policial se concentra nas periferias, transformando esses territórios em zonas de extermínio silencioso. “A maioria das vítimas são jovens negros, com baixo grau de escolaridade, moradores de locais marcados pela ausência de uma política de segurança pública que respeite a vida”, disse.>
Na Bahia, os números reforçam a gravidade do cenário. Dados da Secretaria de Segurança Pública apontam que entre 2021 e 2024, 6.078 pessoas morreram em ações policiais. A maioria dos casos segue impune: apenas 23,4% dos inquéritos foram concluídos no último ano. Somente no primeiro semestre de 2025, já foram registradas 841 mortes, mais da metade do total de 2024. Do total de vítimas, 94% são negras e 41% têm entre 18 e 24 anos.>
No encontro, o diretor reafirmou ainda o compromisso da Iniciativa Negra com a defesa das famílias atingidas pela violência e com a construção de políticas públicas pautadas na vida e nos direitos humanos. “É necessário mais do que metas tímidas. É preciso rigor, acompanhamento social, transparência e investimento real na estrutura técnica de investigação. Caso contrário, o plano de redução da letalidade corre o risco de ser apenas uma carta de intenções.”>
 
 
 
