Ruas fantasmas: entenda tática de facção de esvaziar casas em Mirantes de Periperi

'Deslocamento forçado' é uma prática consolidada entre grupos criminosos; especialista explica

Publicado em 18 de abril de 2024 às 06:15

CV marca paredes para informar domínio em Mirantes de Periperi
CV marca paredes para informar domínio em Mirantes de Periperi Crédito: Reprodução

Há uma semana, quando o conflito entre duas facções começou em Mirantes de Periperi, os primeiros moradores do epicentro do confronto, a Baixada de Mirantes, começaram a deixar suas casas. Em seguida, a localidade virou um amontoado de ruas fantasma após invasões a residências e intimidações. Um esvaziamento provocado pelo medo que era - e ainda é - imposto por traficantes e que, para pesquisadores, tem até nome: deslocamento forçado.

Luiz Cláudio Lourenço é cientista social e pesquisador do Laboratório de Estudos sobre Crime e Sociedade (Lassos), da Ufba. De acordo com ele, a prática não é nova entre grupos criminosos e se estabelece com uma série de objetivos diferentes. Para exemplificar os ganhos das organizações criminosas com a tática, o pesquisador cita duas finalidades: uma simbólica e outra prática.

"O deslocamento forçado tem várias finalidades. Além de demonstrar força e ocupação de território, expulsando pessoas que se colocam contra os grupos, também serve para extorquir, para conseguir vantagens econômicas de quem não queira dar. [...] É uma estratégia que começou no Brasil aqui em Fortaleza, mas que já acontece no Rio de Janeiro, em áreas tomadas por facções e milícias e, mais recentemente, chega em Salvador”, explica Lourenço.

Esse deslocamento forçado é o que parece haver na Rua Daniel Além, que é o epicentro dos registros violentos nos últimos dias. A reportagem acompanhou uma ação da polícia na terça-feira (16) que terminou na localização do corpo decapitado. No local, dezenas de casas têm paredes, portões e janelas marcadas por pichações em referência à facção do Comando Vermelho.

Além disso, não há movimentação de moradores nas ruas e nem nas portas ou janelas das casas mesmo durante o dia, momento em que a reportagem esteve no local. Coronel reformado da Polícia Militar e especialista em segurança pública, Antônio Jorge Melo afirma que, em localidades tensionadas pela disputa de grupos armados, o deslocamento forçado citado acaba por ser voluntário. O termo é utilizado porque, ainda que os traficantes não cheguem a expulsar moradores, os confrontos armados fazem com que pessoas que vivem no local o deixem.

“Os moradores vivem em função justamente desse domínio de facções criminosas. Em determinadas áreas da nossa cidade, então se a rua A ou a rua B está sob domínio determinada facção, os moradores dessas áreas também estão sob domínio. Isso implica em consequências quando há confrontos, a começar da suspensão dos serviços públicos e que chegam, em situações graves, em abandono de casas e estabelecimentos comerciais que fecham”, explica Melo.

Mirantes de Periperi
Medo virou parte da rotina em Mirantes Crédito: Arisson Marinho/CORREIO

O confronto entre os dois grupos criminosos começou na última quarta-feira (10). Desde a sexta-feira (12), a Secretaria de Segurança Pública do Estado da Bahia (SSP) implementou uma ação de reforço no local. No último domingo (14), cinco suspeitos foram presos. Ainda assim, o conflito persiste e, na noite de terça-feira (16), um policial do Batalhão de Operações Especiais (BOPE) da Polícia Militar foi baleado durante uma troca de tiros, de acordo com a SSP-BA.

O policial foi atingido por um tiro na perna e socorrido para uma unidade de saúde da região. O estado de saúde é considerado estável e sem gravidade.