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Chacina da Graça: o massacre familiar que marcou a história de Salvador

Reviravolta em 24h surpreendeu sociedade baiana após morte de quatro pessoas da mesma família

  • Foto do(a) author(a) Carol Neves
  • Carol Neves

Publicado em 28 de outubro de 2025 às 05:31

Marcelino Souto Maia Neto
Marcelino Souto Maia Neto matou a família em casarão na Graça Crédito: Reprodução e Arquivo CORREIO

O amanhecer de 2 de março de 1970 revelou uma das tragédias mais marcantes da crônica policial baiana: quatro pessoas de uma mesma família foram encontradas mortas a tiros em uma casa elegante no número 5 da Rua Flórida, bairro da Graça. O comerciante Fernando Souto Maia, sua esposa Zorilda, a sogra Climéria e o filho José Montanha foram as vítimas. A notícia rapidamente se espalhou pelo rádio e jornais da cidade, e logo ganhou repercussão nacional.

De início, tudo indicava um triplo homicídio seguido de suicídio de José, jovem de 27 anos diagnosticado com esquizofrenia. Ao lado do corpo estava uma arma e um bilhete que atribuía a ele a autoria do massacre. O cenário reforçava um estigma comum à época: a ideia de que transtornos mentais eram sinônimo de periculosidade. A família Souto Maia era descrita como rica, tradicional e aparentemente sem conflitos, e José era tratado como o ponto fora da curva daquela realidade idealizada.

Marcelino voltou a s por Reprodução

A casa estava ocupada naquela noite pelo casal Fernando e Zorilda, pela avó materna Climéria e por três dos filhos do casal: Marcelino, José Roberto e a caçula, uma adolescente com síndrome de Down. A filha mais velha, já casada, não morava mais ali, e o filho Rui estava fora. Uma empregada doméstica também estava na residência e testemunhou parte da movimentação durante a madrugada.

Mudança na investigação

José foi o primeiro suspeito. A hipótese, porém, começou a ruir diante da análise técnica da cena do crime. Marcas no chão, a direção dos tiros e detalhes como pés que não cruzaram determinados cômodos contrariavam essa versão. O médico-legista Charles Pittex concluiu que José não poderia ter tirado a própria vida: na verdade, ele foi baleado enquanto dormia.

Com a constatação de que o tiro de José não tinha características compatíveis com suicídio, a investigação passou a focar em Marcelino Souto Maia Neto, único filho homem sobrevivente. Aos 20 anos, ele se tornou o principal suspeito. Testes de pólvora detectaram resíduos em suas mãos e ombros, e o bilhete atribuído a José foi identificado como obra de Marcelino, graças a um erro ortográfico repetido: na delegacia, ele escreveu a palavra “consciente” da mesma maneira incorreta que estava no bilhete, sem a letra S.

Após dois dias de interrogatório, Marcelino tentou suicídio cortando os pulsos com um copo. Socorrido ao Hospital Getúlio Vargas, no bairro do Canela, desabou e confessou o crime. Inicialmente disse que havia matado apenas o irmão para se vingar da morte dos pais, mas depois contou toda a história: matou os quatro membros da família, alegando sofrer com o tratamento cruel do pai.

Segundo a conclusão da polícia, Marcelino planejou por seis meses assassinar o pai e arquitetou a cena para incriminar o irmão, com quem não tinha desavenças diretas. O Ministério Público apontou também interesse financeiro como motivação.

“Ele pensava em envenenar um remédio que o pai tomava, mas teve medo que a mãe também o ingerisse”, disse ao CORREIO uma fonte, em reportagem de 2011. No dia do crime, Marcelino convenceu o irmão Rui a sair de casa e escreveu o bilhete que incriminava José. Em seguida, matou os pais, a avó e o irmão a tiros, usando um revólver calibre 38 e um rifle .44.

O comportamento frio de Marcelino chamou atenção já no enterro, no Cemitério Campo Santo. “No dia do enterro, Marcelino beijou os corpos do pai, da mãe e da avó, mas não do irmão. Ele produziu um indício de que acreditava ter sido José o autor dos crimes", disse ao CORREIO o advogado do caso, João de Melo Cruz, também em 2011.

As motivações foram atribuídas a desavenças com o pai e a interesses materiais. “Ele disse que tinha problemas com o pai, que considerava muito mesquinho e porque o fazia trabalhar e estava também interessado na herança.”

Marcelino foi condenado pela 1ª Vara Privativa do Júri de Salvador a 40 anos e quatro meses de prisão por homicídio qualificado.

Vida na cadeia

Durante o período em que aguardava julgamento na Casa de Detenção, Marcelino chegou a ser autuado após uma denúncia de outro preso que dividia cela com ele. Na ocasião, os dois se desentenderam e acabaram conduzidos à delegacia.

Na época, Marcelino tinha acabado de completar 21 anos dentro da cela número dois. Segundo reportagem publicada naquele mês, ele foi descrito como um preso de cabelos crescidos e desalinhados, barba por fazer e com os olhos fixos nas algemas que o prendiam. À imprensa, declarou: “Quero ser crucificado em praça pública”.

Passou a ocupar o tempo com leituras, pinturas e desenhos, entre eles uma tela chamada “sol quadrado”, referência direta à luz vista através das grades da prisão.

Nova vida como taxista

Depois de cumprir 16 anos em regime fechado, Marcelino deixou o sistema prisional. Mudou de nome, tornou-se taxista em Salvador e reconstruiu a vida ao lado da família que formou. Em 2013, ele tinha três filhas e continuava trabalhando nas ruas da capital baiana.

Mais de cinco décadas após o caso, a casa que um dia foi cenário de um “rio de sangue”, como descreveram os jornais da época, foi demolida após dar lugar a uma clínica até meados dos anos 1990. Hoje, não faz mais parte do cenário da antiga Rua Flórida, que atualmente se chama Rua Luiz Martins Catharino Gordilho, mas a história da família Souto Maia segue registrada como um dos crimes mais impactantes da Bahia no século XX.

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