Cadastre-se e receba grátis as principais notícias do Correio.
Maria Raquel Brito
Publicado em 17 de novembro de 2025 às 05:00
Há oito anos, a professora Rogéria Sousa, 58, passou por um susto daqueles. Estava dando aula quando começou a passar mal e precisou ser levada para a emergência. A glicemia estava em 230 mg/dL, muito acima da quantidade normal de glicose no sangue quando não se está em jejum, que é de até 140 mg/dL. Não demorou para descobrir o problema: tinha desenvolvido diabetes. >
“Foi uma mistura de sentimentos. Porque quando se falava em diabetes, a primeira coisa que vinha na minha cabeça era amputação de membros. Então foi um baque, a cabeça deu um nó”, relembra.>
Pré-diabetes precisa de atenção
A professora foi pega de surpresa pelo diagnóstico, sobretudo porque nunca percebeu ou foi notificada pelos médicos sobre sinais da doença. “Quando eu descobri, já estava diabética. Não teve ‘pré’”, conta. Ela não é a única. Em todo o Brasil, 30 milhões de pessoas vivem com pré-diabetes, mas apenas uma em cada nove pessoas sabe que tem essa condição, de acordo com o Atlas da Diabetes da Federação Internacional de Diabetes (IDF, na sigla em inglês). >
“Ninguém dorme não-diabético e acorda diabético. Então, a gente tem um período e esse período vai variar de pessoa para pessoa, mas quando a gente faz um diagnóstico de diabetes, isso significa que há uns cinco anos antes a função da minha célula beta, que é a célula que produz insulina, já não está respondendo normal”, diz a endocrinologista Denise Denise Franco, endocrinologista e especialista em tecnologia no tratamento do diabetes, membro da Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD).>
A fala de Denise aconteceu em um encontro realizado pela empresa farmacêutica Merck Healthcare em São Paulo, no último dia 6, para conscientizar sobre o pré-diabetes. Na reunião com a imprensa, profissionais da área exibiram em primeira mão os dados recentemente apresentados no Congresso da Associação Europeia para o Estudo do Diabetes (EASD) 2025. Além da endocrinologista, a roda de conversa teve a participação de Roberta Brito, gerente médica para diabetes e obesidade da Merck, e mediação da médica e apresentadora Thelma Assis.>
Evento da Merck reuniu profissionais da saúde e imprensa
Silencioso, o pré-diabetes precede o diabetes tipo 2, que concentra cerca de 90% das pessoas que têm a doença. Consiste numa condição em que os níveis de glicose estão acima do normal, mas ainda não são altos o suficiente para caracterizar o diabetes. É a fase em que o diagnóstico ainda pode ser revertido, através da mudança de estilo de vida: adotar uma alimentação mais saudável, praticar exercícios regularmente e, em alguns casos, passar a tomar alguns medicamentos – tudo isso, claro, com acompanhamento médico.>
“O paciente precisa se exercitar, precisa se alimentar bem, precisa evitar açúcares, massas, gorduras, controlar o consumo de bebidas alcoólicas. Mas isso não significa que a pessoa com diabetes perdeu o sentido da vida. Não, de forma nenhuma. Uma pessoa diabética pode ter uma vida absolutamente normal. Ela só precisa controlar o diabetes de forma eficaz”, afirma a endocrinologista Reine Marie Chaves, diretora fundadora do Centro de Diabetes e Endocrinologia da Bahia (Cedeba). >
Algumas alterações alarmantes e características do diabetes já começam nessa etapa, como mudanças no organismo que levam a eventos cardiovasculares, disglicemia e estresse oxidativo, além de problemas como doença cerebrovascular, nefropatia e retinopatia.>
Por isso, apesar do prefixo, é preciso ter em mente que pré-diabetes não é “pré-doença”, reforça Roberta Brito. O termo, criado em 1997 pelo Report of the Expert Committee on the Diagnosis and Classification of Diabetes, tinha a intenção de alertar médicos e pacientes e fazer com que mudassem hábitos para estabelecer estratégias de controle. Com o tempo, porém, acabou se transformando numa espécie de mensagem tranquilizadora, como se ainda não fosse necessário se preocupar. >
“Se o ‘pré’ é para preparar alguém, eu não quero me preparar para ter diabetes tipo 2. Então o nome está errado. Tem uma frente importante das sociedades médicas tentando mudar isso, mas o que é importante mostrar é que esse tal pré-diabetes já é uma doença, é o início do Diabetes Mellitus tipo 2. Porque ela já traz com ela um aumento importante de [risco de] alguns tipos de câncer, em 15%. Em 20% o risco cardiovascular – ou seja, eu tenho uma chance muito aumentada de ter um infarto agudo ou um AVC –, e em 67% o risco de problemas renais”, diz a gerente médica.>
Este ano, estudos demonstraram pela primeira vez que normalizar a glicemia em pacientes com pré-diabetes, alcançando a remissão (normoglicemia), pode reduzir em mais de 50% o risco de morte cardiovascular ou hospitalização por insuficiência cardíaca e em mais de 40% o risco de mortalidade por todas as causas.>
Hoje, para evitar consequências, a professora Rogéria Sousa leva a vida da forma mais saudável possível. Cuida da alimentação, faz exercícios e vive bem, ainda que a doença venha com desafios. Se pudesse voltar no tempo, porém, faria de tudo para descobrir no 'pré' e reverter a situação. >
"O que me mata, meu amor, é aquela torta linda, maravilhosa, olhando para mim e eu não poder comer", diz, bem-humorada. "Mas, quando você vai no hospital, quando você passa mal de verdade e vê aquele fio de vida se indo e tem esperança de ficar bem fazendo o que os médicos mandam corretamente, aquilo ali não é nada." >
Só entre janeiro e outubro deste ano, 4.530 pessoas morreram por diabetes na Bahia, conforme informações da Secretaria de Saúde do Estado (Sesab). Atualmente, o Cedeba tem mais de 100 mil pacientes cadastrados em todos os 417 municípios, sendo 60% pessoas com diabetes, segundo a diretora fundadora Reine Marie Chaves. >
“O Cedeba é um centro de referência de média complexidade, então atende pacientes referenciados da atenção básica de saúde. Infelizmente, com a demanda da população crescente de casos de diabetes, a gente não tem como atender toda a população diabética da Bahia. Portanto, nessa situação, nós treinamos e capacitamos profissionais da atenção básica para o atendimento ao diabetes e os qualificamos para responder a essa parcela da população que pode ser controlada somente com atividade física, dieta e um comprimido oral”, explica Reine. Quando a situação é mais complexa, os pacientes são encaminhados para consultas remotas, via telemedicina.>
Em Salvador, de acordo com dados epidemiológicos da Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD), a prevalência de diabetes é de 7,9%, 0,6% acima da média nacional. >
É para reverter a situação enquanto ainda há tempo – nos casos de diabetes tipo 2 – e evitar que vidas sejam perdidas devido a essa doença que existe o movimento “Antes que vire”. A iniciativa é uma campanha de conscientização desenvolvida pela Merck em parceria com a SBD e a ADJ Diabetes Brasil. >
O objetivo é atingir os milhões de brasileiros que convivem com fatores de risco (obesidade e histórico familiar de diabetes, por exemplo), através da disponibilização de exames gratuitos e ações educacionais com profissionais de saúde.>
“A gente precisa educar a população e também fazer a educação da classe médica. Não é todo médico que tem acesso a atualização de hoje. Essas pessoas estão lá na ponta trabalhando X horas por dia, que hora que eles vão se atualizar? Eu acho que a indústria cosmética tem uma obrigação de ajudar nessa educação médica”, defende Roberta Brito. “Mas o movimento tem algumas vertentes, e o grande alvo é a população, porque a gente precisa empoderar essas pessoas para que elas entendam o que têm que fazer, antes que vire diabetes.”>
Quais os tipos de diabetes? >
Existem diferentes tipos de diabetes. São eles:>
O Tipo 1, que aparece geralmente na infância ou na adolescência (mas também pode ser diagnosticado em adultos). Nesses casos, o sistema imunológico ataca equivocadamente as células beta, de forma que pouca ou nenhuma insulina é liberada para o corpo e a glicose fica no sangue, em vez de ser usada como energia. >
O diabetes Tipo 2, desenvolvido quando o organismo não consegue usar adequadamente a insulina que produz ou não produz insulina suficiente para controlar a taxa de glicemia. Cerca de 90% das pessoas com diabetes têm o Tipo 2. >
O pré-diabetes, em que os níveis de glicose estão acima do normal, mas ainda não são altos o suficiente para caracterizar o diabetes tipo 2. Pode ser revertido através de mudanças de estilo de vida.>
A diabetes gestacional, por sua vez, é uma alteração glicêmica que acontece durante a gestação, período em que a mulher passa por mudanças em seu equilíbrio hormonal para permitir o desenvolvimento do feto. Nesse cenário, de acordo com a SBD, há risco para os dois, uma vez expõe o bebê a grandes quantidades de glicose ainda no ambiente intra uterino, aumentando o risco de crescimento excessivo e, consequentemente, partos traumáticos, hipoglicemia neonatal e até de obesidade e diabetes na vida adulta.>
Quem pode desenvolver pré-diabetes? >
Pessoas acima de 35 anos ou que tenham menos de 35 anos, mas vivam com sobrepeso ou obesidade e mais um dos seguintes fatores:>
- Sedentarismo;>
- Histórico familiar de diabetes tipo 2 em parente de primeiro grau;>
- Histórico de doença cardiovascular;>
- Hipertensão arterial;>
- Lipoproteína de alta densidade (HDL), o “colesterol bom”, abaixo de 35 mg/dL;>
- Triglicerídeos acima de 250 mg/dL;>
- Síndrome dos ovários policísticos;>
- Acantose nigricans (região do pescoço mais escurecida, com aspecto aveludado).>
Como saber se eu tenho pré-diabetes? >
Através do teste de glicemia, que pode ser feito em farmácias. Se o resultado for uma glicemia entre 100 e 126 mg/dL em jejum ou de 140 a 199 mg/dL até duas horas depois de uma refeição, é sinal de pré-diabetes. >
“Normalmente o indivíduo começa a ficar pré-diabético quando começa a apresentar ganhos de peso e aumento da circunferência abdominal, principalmente naquelas pessoas que têm antecedentes familiares de diabetes. E a nossa grande preocupação em diagnosticar de forma eficaz é porque o indivíduo com pré-diabetes que evolui para diabetes já apresenta maior risco no desenvolvimento de complicações da doença. E o pré-diabetes pode passar totalmente assintomático”, diz a endocrinologista Reine Marie Chaves. >
Quais os principais fatores de risco e os sintomas do diabetes?>
Os principais fatores de risco são idade acima de 45 anos, histórico familiar e sobrepeso e obesidade. A endocrinologista Sandra Lopes explica que não é recomendado esperar os sintomas para fazer diagnóstico. Isso porque o Diabetes Mellitus pode ser assintomático por muito tempo. Apenas quando a glicemia está bastante aumentada o indivíduo sente uma vontade aumentada de urinar, perde peso e tem muita sede. >
Como as pessoas que não nasceram com diabetes devem agir para se prevenir?>
O mais importante na prevenção do diabetes é ter uma vida saudável, praticar atividade física regularmente, ter uma alimentação balanceada e manter um peso saudável, diz a médica Sandra Lopes.>
Existem medicamentos que devem ser evitados por quem tem diabetes?>
Há cuidados muito específicos para quem tem diabetes, e um deles é evitar certos medicamentos, aqueles que aumentam o nível de glicose no sangue. Alguns exemplos são corticoides, antipsicóticos e antidepressivos.>
“Existem muitas pessoas que têm dores articulares, dores nas pernas, e acham que devem e podem usar o corticoide porque dá um alívio rápido à dor. Mas o problema é que o corticoide, por exemplo, ele piora e muito o controle glicêmico e deve ser evitado porque tem diabetes. Portanto, eu acho que o meu recado aqui para a população seria: se você tem familiar diabético, se você está aumentando de peso, se você aumentou a circunferência abdominal, aquela gordura localizada no abdômen, procure logo um profissional de saúde”, afirma Reine Marie, diretora do Cedeba.>