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Gilberto Barbosa
Publicado em 12 de novembro de 2025 às 15:23
Em outubro de 2008, a jovem Eloá Pimentel, 15 anos, foi sequestrada junto com outros três colegas de escola pelo seu ex-namorado Lindemberg Alves, 22, em Santo André, no estado de São Paulo. Após 100 horas, o cárcere se encerrou quando equipes do Grupo de Ações Táticas Especiais (GATE) da Polícia Militar invadiram o apartamento para libertar os reféns. >
Apesar do sucesso na prisão do sequestrador, o caso terminou de forma trágica após Eloá ser atingida com dois tiros e morrer dias depois no hospital. O caso se notabilizou pela repercussão na mídia, que transmitia toda a negociação ao vivo. A exposição foi criticada pelos possíveis impactos no trabalho policial. A cobertura é tema do documentário “Caso Eloá - Refém ao Vivo”, lançado nesta quarta-feira (12) pela Netflix. >
“Caso Eloá - Refém ao Vivo”
As gravações levaram cinco semanas e foram feitas dentro do condomínio onde o sequestro aconteceu. A produtora Verônica Stumpf conta que a obra tem o objetivo de apresentar uma reflexão sobre diversos fatores que contribuíram para o desfecho e devolver o protagonismo da história para adolescente. >
“Eu vivi o sequestro da Eloá como espectadora e sempre achei que faltava dar voz para ela. Houve muitos outros protagonistas, a imprensa, a polícia, o assassino, menos a garota. Agora a gente daremos a ela esse lugar, de reconhecimento de uma menina que foi tão negligenciada de todos os lados”, diz Verônica. >
A montagem foi feita a partir de entrevistas com a família da jovem, jornalistas e policiais que atuaram na operação. Também foram coletados depoimentos de um dos jovens feitos de refém e da melhor amiga de Eloá, Grazieli, além de gravações dos jornais que cobriram o caso e trechos do diário da vítima. Outro recurso utilizado foi a reencenação de algumas cenas do sequestro >
“Eles ficaram muito felizes que a gente quis dar voz para a filha deles, que tinha sido calada por tanto tempo. A mãe é uma mulher muito humilde e está numa alegria muito grande que vamos contar essa história. Ela é muito ressentida porque foi muito julgada pela imprensa por deixar uma filha de 12 anos namorar um garoto mais velho, como se a culpa do crime fosse deles, das vítimas. Então eles se sentiram aliviados de poder contar como era a Eloá”, lembra a produtora. >
Entre os relatos, o mais interessante é o do irmão mais novo da jovem, Douglas. Amigo de Lindemberg na época do crime, ele foi colocado nas negociações pelas equipes de resgate. O seu relato funciona como um fio condutor para o público, desde o início da relação até o final trágico. >
“Quando chegamos pela primeira vez, ele estava muito na defensiva. Ele é muito traumatizado com o que aconteceu, tem aversão à mídia, à exposição. No dia da gravação, disse a ele que tinha várias perguntas na minha prancheta, mas que nenhuma importava naquele momento. Pedi para escutar o que ele quisesse me contar. E assim foi, abri a câmera e deixei-o falar. E ele só parou duas horas depois", recorda a diretora do filme Cris Ghattas. >
Apesar da intenção, o filme apresenta pouco da adolescente para além da relação com o sequestrador. O documentário também sofre com a falta de especialistas que possam analisar a condução de toda a operação. Os depoimentos de policiais e jornalistas que atuaram no caso, deixam a impressão de que os lados estão mais focados em defender o seu papel e jogar a responsabilidade para o outro. >
Um momento emblemático são as ligações feitas por jornalistas para Lindemberg. A primeira delas foi feita por Luiz Guerra, que fazia parte da equipe do programa “A Tarde É Sua”, apresentado por Sônia Abrão. Luiz participou do filme, enquanto a apresentadora recusou dar a sua versão. “Ela não quis de jeito nenhum porque os advogados dela recomendam que ela não fale sobre o assunto”, conta Verônica. >
Outra personagem que recusou participar do filme foi Nayara, que havia sido liberada, mas retornou ao cárcere a pedido da polícia. Ela também foi atingida com um tiro no rosto durante a invasão do GATE, mas sobreviveu. “A Nayara foi irredutível. Ela não quer mais ser associada a esse crime, nem reviver a história que, para ela, traz muitas lembranças negativas e muitos gatilhos emocionais”, afirma. >
A produtora também reforça que em nenhum momento a participação de Lindemberg no filme foi cogitada. “Nada que esse rapaz tenha para falar possa interessar a qualquer pessoa. Acho que já deram voz para ele durante o crime e o julgamento. Esse documentário é sobre a Eloá, sobre a história dela, sobre a negligência que foi feita com ela, sobre os erros da mídia, da polícia, de nós como sociedade”. >
Para Cris, apesar de contar a história de um crime, o filme traz um olhar humanizado sobre a jovem e os personagens afetados pelo desfecho. Na visão dela, a obra deixa uma mensagem sobre como perceber sinais de perigo em uma relação. "Relacionamentos abusivos são muito confusionais, é difícil se perceber dentro de um. Há confusão, culpa. Mesmo quando são percebidos, as pessoas têm dificuldade de sair, não conseguem se desvencilhar, mas os sinais sempre existem”, finaliza.>