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Agência Correio
Publicado em 13 de dezembro de 2025 às 19:00
O uso recreativo da maconha costuma ser tratado de forma simplista, dividido entre condenação moral e defesa irrestrita. No entanto, a ciência começa a mostrar que a decisão de experimentar Cannabis pode estar menos ligada a desvio de comportamento e mais relacionada a traços profundos da personalidade humana. >
Uma pesquisa de grande escala conduzida por cientistas da Universidade Yale indica que fatores genéticos associados à curiosidade e à abertura ao novo aumentam a chance de uma pessoa experimentar a substância, sem que isso signifique, necessariamente, dependência.>
Uso recreativo de maconha
O estudo analisou dados genéticos de mais de 250 mil pessoas e investigou o chamado uso de Cannabis ao longo da vida, conceito que mede a probabilidade de alguém ter experimentado a substância ao menos uma vez, independentemente de desenvolver uso problemático. Trata-se de uma das maiores análises genéticas já feitas sobre o tema.>
Os resultados mostram que experimentar maconha não está diretamente associado a genes ligados ao vício, mas sim a variantes genéticas relacionadas à curiosidade, à busca por novidades e à disposição para explorar novas experiências. Isso ajuda a desmontar a ideia de que todo usuário recreativo tem tendência automática à dependência.>
A pesquisa sugere que a experimentação pode ser vista como parte de um traço comportamental mais amplo, presente em pessoas abertas ao novo, interessadas em diferentes vivências culturais, sensoriais ou intelectuais.>
Um dos principais achados do estudo foi a forte associação entre o uso vitalício de Cannabis e o gene CADM2. Essa variante genética já vinha sendo relacionada, em pesquisas anteriores, a comportamentos exploratórios e a uma impulsividade considerada positiva.>
O CADM2 atua na forma como os neurônios se conectam e processam recompensas. Pessoas com determinadas variações desse gene tendem a sentir maior motivação para experimentar novidades, sejam elas viagens, alimentos diferentes ou novas ideias.>
Segundo os pesquisadores, não se trata de um “gene da maconha”, mas de um gene ligado à exploração. O mesmo mecanismo biológico que impulsiona a criatividade e a busca por prazer pode, em alguns casos, aumentar a probabilidade de alguém querer experimentar estados alterados de consciência.>
Um ponto central da pesquisa foi diferenciar quem apenas experimenta Cannabis de quem desenvolve transtorno por uso da substância. Embora exista alguma sobreposição genética entre experimentar e abusar, os caminhos biológicos são, em grande parte, distintos.>
Os genes associados ao uso ocasional se mostram diferentes daqueles ligados à compulsão. Enquanto a dependência aparece mais conectada a transtornos psiquiátricos, problemas de sono e doenças cardiovasculares, a experimentação se associa a traços como maior escolaridade e abertura à experiência.>
Esse dado é relevante porque reforça que curiosidade e compulsão não são a mesma coisa do ponto de vista biológico. O simples ato de experimentar não define, por si só, um destino de dependência.>
As descobertas ajudam a explicar por que pessoas reagem de maneiras muito diferentes ao uso de Cannabis, seja no contexto recreativo ou terapêutico. A genética influencia tanto o comportamento quanto a forma como o organismo metaboliza substâncias como THC e CBD.>
Essa diferenciação pode contribuir para reduzir o estigma associado ao uso da maconha, especialmente em tratamentos médicos. Usar não equivale automaticamente a abusar, e a ciência aponta que essa distinção tem base biológica concreta.>
No campo das políticas públicas, os resultados indicam a necessidade de estratégias mais refinadas, capazes de separar curiosidade, uso ocasional e vulnerabilidade à dependência. Compreender o papel da genética não é justificar o consumo, mas trazer mais nuance, informação e empatia a um debate que ainda costuma ser marcado por extremos.>