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Elis Freire
Publicado em 5 de junho de 2025 às 17:56
Após a condenação de Léo Lins a oito anos e três meses de prisão por falas preconceituosas em um show de comédia publicado no Youtube em 2022, uma discussão sobre os limites da expressão tomou conta das redes sociais. Até que ponto é apenas uma piada? Quando o discurso de ódio começa? Outros humoristas também devem ser condenados por seu “humor”? >
O CORREIO conversou com o advogado humanista e antidiscriminatório Ives Bittencourt para esclarecer sobre o caso que tem dividido opiniões. Enquanto uma onda de colegas de profissão defendem Léo, outras personalidades repudiam as declarações que atacam contra negros, idosos, obesos e pessoas com autismo. >
Em primeiro lugar, o operador do direito destacou que a liberdade de expressão é louvável, mas não pode ser usada para “humilhar e expor à execração pública”. Ele destaca a importância da defesa de minorias sociais e políticas.>
“No Estado Democrático de Direito é livre a manifestação de pensamento, o intercâmbio de ideias é louvável, até fomentado, sob pena de retornarmos aos tempos da censura. No entanto, é dever estatal proteger pessoas com deficiência, LGBTQIAPN+, pretas/negras, gordas etc. Dessa maneira, não é tolerável o discurso de ódio ou quaisquer atividades nocivas à Dignidade do Outro. Liberdade de expressão não é um salvo conduto para humilhar, expor à execração pública”, afirmou Ives Bittencourt.>
Sobre as declarações serem apenas “piadas”, argumento utilizado por Daniel Gentili, humorista que saiu em defesa do condenado em primeira instância, Ives explicou que falas como essas têm consequências reais na vida das pessoas. “Infelizmente, conheço de perto as consequências de “piadas” dos humoristas Leo Lins e Danilo Gentili, pois ambos já foram condenados em processos que representei uma mulher gorda, que habitualmente tinha seu nome, imagem e honra vinculadas às atividades degradantes dos humoristas”, disse, fazendo referência ao caso da influenciadora Thais Carla.>
Danilo Gentili e Léo Lins
Ao refletir sobre o caso, o advogado observou que a maioria dos humoristas não vê problema nas declarações, pois não consegue mensurar os danos e vivem em uma realidade de privilégios. Para ele, essas consequências existem sim e primeiramente causam uma degradação mental das pessoas que são alvo das declarações preconceituosas. >
“Os humoristas citados acreditam que as falas e ações preconceituosas e degradantes não matam, humilham, destroem autoestimas, desenvolvem depressão e outros imbróglios psiquiátricos nas vítimas, pois na maioria dos atos não é possível mensurar a extensão do dano, já que que as piadas viralizam em redes sociais, aplicativos de conversas, shows e livros. Porém, negar a existência desse dano, a existência dessas vítimas é ignorar um adoecimento mental e social que vem crescendo no Brasil”, argumenta Ives, que é presidente da Comissão Permanente de Diversidade Sexual e Gênero da OAB/BA.>
Ives foi categórico ao afirmar que sim, outros humoristas podem acabar sentindo o peso da lei em relação a suas declarações. “ A liberdade de expressão não pode se tornar subterfúgio e ensejar por consequência em agressões e insultos direcionados a outra pessoa ou comunidade de maneira deliberada e constante”, garante o advogado.>
O profissional do Direito refletiu que essa condenação em primeira instância (ainda há possibilidade de recurso) demonstra uma evolução na interpretação das lei brasileiras, porém novos dispositivos legais ainda são necessários segundo ele. “A interpretação das leis tem evoluído de forma significativa, especialmente por parte do Judiciário, para proteger os direitos humanos frente aos crimes cometidos online. No entanto, isso não é suficiente. São necessárias novas leis, atualizações e regulamentações, principalmente no que diz respeito à responsabilização das plataformas, redes sociais, aplicativos, à regulação da inteligência artificial e à proteção de grupos vulneráveis”, finaliza Ives. >