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Regras do crime: estatuto impõe respeito, proíbe estupros e mata quem trai; saiba mais

Regimento possui 11 tópicos e é parte de investigação do Ministério Público

  • Foto do(a) author(a) Bruno Wendel
  • Bruno Wendel

Publicado em 4 de novembro de 2025 às 05:00

Estatuto do BDM impõe respeito, proíbe estupros e mata quem trai
Estatuto do BDM impõe respeito, proíbe estupros e mata quem trai Crédito: Reprodução

Costuma-se dizer que entre criminosos não há honra; ainda assim, mesmo fora da lei, toda organização depende de normas internas para manter o controle. E com o Bonde do Maluco (BDM) não seria diferente. Uma das maiores facções da Bahia possui um estatuto, que define o que pode e o que não pode ser feito dentro da facção, estabelece punições aos transgressores e garante lealdade e obediência à liderança, evitando disputas internas. Uma das penalidades é a morte para traidores. O regimento deixa claro que não tolera estupradores e quem pratica crimes sexuais contra crianças.

O CORREIO teve acesso com exclusividade ao código de conduta interno que consta em um dos processos do Ministério Público do Estado (MPBA) contra lideranças da organização. A investigação começou em 2022, na Operação Tarja Preta, quando 18 integrantes foram presos, entre eles Antônio Dias de Jesus, o ‘Colorido’, que em julho deste ano retornou ao presídio onde fala com comparsas fora da unidade. Foi do celular dele que o Grupo de Atuação Especial de Combate às Organizações Criminosas e Investigações Criminais (Gaeco) do MPBA teve acesso ao regimento.

O estatuto é apresentado em caixa alta (letras maiúsculas) e digitado e com menos erros de português – diferentemente de supostos comunicados atribuídos à facção, que às vezes circulam nas redes sociais. “Nós, representantes da facção BDM – Bonde do Maluco – viemos aqui passar a nossa ideologia para que o crime venha a ser o mais certo, correto e justo possível”, diz a introdução. O texto continua dizendo que a organização surgiu em 2008, com o intuito de “criar melhorias dentro do sistema penitenciário da Bahia, onde sofríamos opressão e injustiça por parte da polícia penitenciária e falsos bandidos que praticavam todos os tipos de abusos contra a honra do crime”. O texto também destaca que o BDM se autodenomina a maior facção do estado e que o código de conduta foi criado em resposta ao desrespeito de integrantes às ordens da cúpula durante o movimento de expansão no estado.

BDM: estatuto impõe respeito, proíbe estupros e mata quem trai por Reprodução

Logo, a primeira regra determina o respeito à liderança e à hierarquia: “Em qualquer circunstância, ser fiel, leal e honrar a facção BDM”. De acordo com a denúncia do MPBA, a cúpula da facção é formada por: "Colorido"; Cristiano da Silva Moreira, o “Dignow”; Aldaci Reis Souza, o “Sady” ou “Viúva”; Ednaldo Freire Ferreira, o “Coroinha” ou “Dadá”; Edson Silva de Santana, conhecido como “Jegue” ou “Animal”; Edson Valdir Souza Silva, apelidado de “Zóio Itapetinga” ou “Valdir Sem Terra”; Gênesis Moabe da Glória Lago, o “Moabe” ou “Truta”, além de Venício Bacellar Costa, o “FF”, “Fofão” ou “Bolinha”, que por pouco não foi solto pelo Superior Tribunal de Justiça (STF) em outubro deste ano.

Outra regra diz que os faccionados devem estar à disposição “para qualquer ato” e “de maneira alguma se fazer ausentes”. Em um outro ponto, o estatuto determina que seus integrantes consultem as lideranças antes de adotarem situações extremas. “Qualquer atitude que venha a ser tomada em caso de guerra ou execução, lembrando que vida se paga com vida”.

A organização não permite atos que não condizem com “a ética do crime”.   “A nossa facção BDM não admite dentro dos nossos integrantes cagoetes, estupradores, caluniadores, conspiradores, extorquidores, pedófilos, invejosos e outros que ferem a ética do crime.” Uma vez dentro do grupo, o faccionado não poderá sair. “Não poderão se desligar ou abandonar a nossa causa, pois serão julgados por oportunismo e traição e pela atitude covarde; o preço cobrado será a morte.”  (O estatuto possui 11 tópicos, que você confere mais abaixo).

Pioneirismo

Segundo o professor de Direito da Estácio Fib, coronel Antônio Jorge, a criação do estatuto do BDM não é um comportamento isolado. Ele lembra que o estabelecimento de regras é uma realidade que há anos existe nas maiores organizações criminosas do país. “O BDM não foi pioneiro nessa prática. Desde sua origem no findar da década de 1970, quando seu primeiro nome ainda era Falange, o Comando Vermelho (CV) produz estatutos que afirmam, de alguma forma, os valores morais, os ideais e os alicerces do funcionamento da organização”, conta.

O maior grupo criminoso do país e um dos maiores do mundo, o PCC (Primeiro Comando da Capital) criou seu regimento em 1993 e o registrou oficialmente em 1999. Ele é considerado o primeiro documento registrado de um contrato social de uma organização criminosa no Brasil. Segundo o especialista em segurança pública, “inicialmente adotadas no interior dos presídios para assumir hegemonia territorial e humana com a eliminação das facções rivais, essa estratégia foi ampliada extramuros prisionais e, hoje, já é uma realidade nas comunidades sob domínio dessas organizações criminosas”.

Antônio Jorge pontua ainda que alguns integrantes que infringem as regras são submetidos ao “tribunal do crime”.   “Um sistema judicial paralelo que dita o comportamento de faccionados dentro e fora do sistema prisional, punindo com pena de morte violenta e que se estende aos moradores das áreas sob seus domínios e, assim, segue criando um outro Estado, um estado paralelo que opera uma forma de ‘justiça’ em áreas onde o poder público é ausente”, declara.

Leia o estatuto do BDM na íntegra, como está no processo:

1º Respeitar a liderança e a hierarquia em qualquer circunstância, ser fiel, leal e honrar a facção BDM;

2º Manter acima de tudo a união, harmonia e a sinceridade com todos os integrantes da facção;

3º Estar sempre à disposição da facção para qualquer ato, manter contato constante com os integrantes da facção e de maneira alguma se fazer ausente a alguma convocação;

4º Ser imparcial, em todas as decisões, pensar antes de agir e comunicar os líderes sobre qualquer atitude que venha a ser tomada em caso de guerra ou execução, lembrando que a vida se paga com a vida;

5º Manter a paz e ordem nas comunidades de domínio da facção, pois somos o espelho e exemplo a ser seguido dentro do crime;

6º A nossa facção BDM não admite dentro dos nossos integrantes cagoetes, estupradores, caluniadores, conspiradores, extorquidores, pedófilos, invejosos e outros que ferem a ética do crime;

7º A facção carece da contribuição dos integrantes para se fazer mais forte e fortalecer a todos que compõem a presente organização;

8º É obrigação dos mais antigos orientar os mais novos para que não venham cometer atos incorretos que venham a denegrir a imagem da facção;

9º O integrante que estiver em liberdade e passando por dificuldade poderá recorrer à facção para que possa ser ajudado a fazer um “corre” (assalto ou tráfico), deixando claro que o intuito da facção é fortalecer, para que todos tenham força e juntos venham fortalecer a facção;

10º Todos os integrantes devem ter a certeza que realmente querem fazer parte da nossa facção, pois aqueles que se beneficiarem do que a facção conquistou não poderão se desligar ou abandonar a nossa causa, pois serão julgados por oportunismo e traição e pela atitude covarde o preço cobrado será a morte;

11º Deixando claro que a hierarquia da facção compõe alguns integrantes que fazem parte do alto escalão, onde tem por objetivo manter a paz, ordem e lutar pelos nossos ideais e crescimento da facção.