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Bruno Wendel
Publicado em 20 de outubro de 2025 às 05:00
Por um triz, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) não devolveu às ruas uma das maiores lideranças do crime organizado na Bahia. O ministro Ribeiro Dantas converteu a prisão preventiva de Venício Bacelar Costa, o ‘Fofão’, em prisão domiciliar no dia 03 deste mês, após acatar parte do pedido da defesa, que alegou a necessidade de um dos chefes do Bonde do Maluco (BDM) de cuidar do filho autista. ‘Doido’, como também é conhecido o traficante, só não deixou o Conjunto Penal de Serrinha, unidade de segurança máxima, porque coincidentemente a justiça baiana havia decretado uma nova ordem de prisão contra o réu referente a outro processo. >
‘Fofão’ é considerado um ‘torre’, pessoa que coordena as atividades criminosas em uma região específica. É um papel crucial na organização e na execução das atividades, ou seja, garante a eficiência nas operações. O BDM ainda é uma das maiores organizações criminosas do estado e é considerada por especialistas extremamente violenta, responsável por milhares de assassinatos na Bahia. Entre as mortes atribuídas ao grupo está a chacina de Portão, onde, em 2019, cinco inocentes foram baleados - três deles da mesma família; as mortes do percussionista Renato Santos Evangelista Sobrinho, em 2021, e do policial civil Luiz Alberto dos Santos, em 2017; e a execução do guarda civil de Salvador George Santos Viana, em maio deste ano. Para enfrentar o Comando Vermelho, o BDM fez aliança com o Terceiro Comando Puro (TCP), que lhe abastece com armas e apoio logístico. >
O CORREIO teve acesso exclusivo à decisão do STJ. Após ter negado os pedidos de liberdade na Vara dos Feitos Relativos a Delitos de Organização Criminosa (Vocrim) de Salvador e do corte do Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA), a defesa de ‘Fofão’ entrou com um habeas corpus em Brasília em processo em que a liderança do BDM e outros 17 réus respondem por tráfico, associação e financiamento do tráfico e outros crimes. Apesar de reconhecer a necessidade da prisão, listando os motivos, entre eles o fato de ‘Fofão’ se tratar de um indivíduo de “altíssima periculosidade”, o ministro decidiu por substituir a preventiva pela domiciliar, com o argumento de que o traficante é pai de um menino com transtorno do espectro autista (TEA).>
“Sente falta do pai que se encontra recolhido a um presídio. Piorou sem o mesmo em casa e pergunta sempre por ele. A propósito, a mãe não consegue controlá-lo sozinha, tem atualmente uma ajudante para contê-lo, pois não tem parada e não a deixa ter 'um minuto de sossego' - (sic).”, diz trecho da decisão, que cita uma das alegações da defesa. >
STF quase põe na rua liderança do BDM para cuidar de filho autista
Segundo o documento, a criança tem dois anos e “apresenta o transtorno do espectro autista de nível 3, isto é, a forma grave do autismo”. “Sua característica principal se baseia nas classificações modernas e sugeridas pelo DSM –V, onde se observa o autismo sendo classificado em três níveis, sendo nível 1 (conhecido como ‘leve’); nível 2 (conhecido como ‘moderado’) e nível 3 (conhecido como ‘severo’). E essa classificação ocorre conforme o grau de dependência e/ou necessidade de suporte. No caso do autismo severo, é bastante comum que a pessoa necessite de supervisão e apoio por toda a vida”, diz trecho. >
A defesa argumentou ainda que a mãe do menino “não possui condições de arcar sozinha com a responsabilidade de cuidar dele” e que a criança, quando tem seu pai por perto, “se acalma e se torna mais sociável” e que por isso deve ser considerada a possibilidade de Fofão cumprir a prisão domiciliar, “situação na qual estaria próximo à família e poderia auxiliar a cuidar do menino, que deixa claro, pelo seu comportamento quando próximo a ele, o quanto que o pai faz diferença na sua vida quando está por perto”. >
Por fim, Ribeiro Dantas não reconheceu o habeas corpus. “Contudo, concedo a ordem, de ofício, a fim de substituir a prisão preventiva do paciente por prisão domiciliar humanitária”, diz o ministro, que impôs obrigatoriedade da monitoração eletrônica e advertiu “que o descumprimento de quaisquer das cautelares diversas ensejará na decretação de nova prisão preventiva”.>
Nova preventiva >
Com os trâmites burocráticos da Justiça e do sistema prisional, o parecer do STJ chegou ao conhecimento do TJBA no dia 09, na mesma ocasião em que a 2ª Vara de Garantias de Salvador determinou a prisão preventiva de 'Fofão’, atendendo ao pedido do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público da Bahia (MPBA), com base nas provas apontadas pelo Departamento de Repressão e Combate à Corrupção, ao Crime Organizado e à Lavagem de Dinheiro (Draco) da Polícia Civil da Bahia (PCBA). >
Na nova decisão, o juiz Moisés Argones Martins argumenta que as investigações apontaram que ‘Fofão’ “exerce função de liderança em um dos núcleos operacionais da facção criminosa Bonde do Maluco”, ao lado de outros integrantes de destaque, como Cássio Santos Oliveira, o ‘Cassinho’ e Fábio Souza Santos, o ‘Geleia’. Segundo a apuração, a facção possui estrutura estável, hierarquizada e ramificada, com base territorial consolidada em Vilas de Abrantes, em Camaçari, município da Região Metropolitana de Salvador (RMS), “expandindo suas atividades ilícitas para diversas regiões do Estado, o que demonstra sua periculosidade social e capacidade de difusão criminosa”. >
O juiz destaca que as provas foram obtidas “por meio das medidas cautelares de interceptação telefônica e telemática, bem como da quebra dos sigilos bancário e fiscal, confirmam o vínculo do representado com a mencionada organização criminosa e o papel de comando por ele exercido”. >
O magistrado ressalta que “a decretação da prisão preventiva, portanto, mostra-se indispensável à preservação da ordem pública, diante da concreta ameaça que o investigado representa à paz social, à segurança da comunidade e ao regular andamento das investigações”. “A gravidade da conduta, aliada à sua posição de comando em facção de alta periculosidade, evidencia o potencial de reiteração delitiva e o comprometimento da tranquilidade coletiva, justificando a constrição cautelar da liberdade”, diz trecho da decisão. >