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Bruno Wendel
Publicado em 28 de outubro de 2025 às 05:00
Menores do que um dedo indicador, eles podem ser colocados atrás da orelha e se assemelham a brinquedos, mas na verdade são armas na palma da mão do crime organizado. Isso porque as decisões das lideranças, inclusive as mortes de desafetos, podem sair de aparelhos que medem 5 cm de altura. Esses minis celulares são cada vez mais comuns nas unidades prisionais baianas. Em julho deste ano, dois deles foram apreendidos quando seriam entregues a um dos traficantes do Comando Vermelho (CV) na Cadeia Pública de Salvador, uma das unidades do Complexo Penitenciário da Mata Escura.
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“Uma mulher tentou entrar com os dois aparelhos. Ela iria visitar um parente que é ligado ao CV. Mas ela não contava o BodyScan (equipamento que faz o scanner corporal) e foi desmascarada”, conta uma fonte que trabalha no completo. Um dos minis celulares é da marca L8star, uma das mais comuns nos presídios nacionais. De acordo com ela, a maioria desses dispositivos que foram descobertos iriam parar nas mãos de integrantes do CV. Da mesma forma foram parelhos encontrados nas celas: boa parte estava em posse de membros da facção. >
A situação é confirmada pelo Ministério Público do Estado (MPBA). “O CV é quem está buscando expansão. O estado está dominado por uma cadeia logística e é do PCC (Primeiro Comando Puro). Hoje, o CV tentando conquista não só a Bahia, mas o Norte e o Nordeste”, declara o promotor Edmundo Reis, coordenador do Grupo Especial Execução Penal (Gaep). >
Ainda não há dados oficiais específicos sobre a quantidade destes aparelhos encontrados dentro do sistema penitenciário baiano, mas durante um pente-fino realizado em 133 presídios do Brasil, foram apreendidos quase 900 celulares nas celas durante a Operação Mute em março deste ano, uma ação da Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senasppen), órgão ligado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP). Em julho de 2024, o MJSP divulgou que 4,7 mil aparelhos foram retirados de circulação, impedido a comunicação entre as organizações criminosas em várias unidades prisionais brasileiras. >
Mini celulares são armas nas mãos do crime organizado
Funcionais >
Apesar do tamanho, são bastante funcionais. “São muito leves, do tamanho de uma pilha. Internos usam bico de caneta ou qualquer outro objeto pontiagudo para mexer nos teclados”, explica um dos dirigentes do Sindicato dos Policiais Penais e Servidores Penitenciários da Bahia (SINPPSPEB) Reivon Pimentel. Segundo ele, essa prática não é de agora. “A gente vem observando uma maior frequência há cerca de três anos”, relata. >
Os minis celulares chegam ao complexo por meio dos visitantes, que costumam envolvê-los em embalagens e escondê-los nas partes íntimas. A outra forma é através dos arremessos para o pátio das unidades por comparsas, que aproveitam que o fundo não é murado. “Já é difícil tampar os buracos dos arremessos dos celulares convencionais, imagina estes?” declara o promotor Edmundo Reis. >
Na comparação entre um mini celular de até 6 cm, o iPhone 14 é mais que o dobro de altura, 14,67 cm. Smartphone, que pode chegar até 17 cm, a disparidade é bem maior. Os modelos L8star BM70 e L8star BM10 são os mais encontrados nas celas, por serem os menores – no geral, estes dispositivos podem chegar até 10 cm. >
aparelhos não são reconhecidos oficialmente pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). Atualmente, estima-se que mais de 5 milhões de unidades irregulares estejam em operação no Brasil. Segundo a Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), esses produtos são comercializados livremente em lojas físicas e pela internet, entre R$ 100 e R$ 250. "São importados pelo Paraguai e depois eles entram no Brasil de forma irregular, tornando-se assim muito mais barato do que o celular que é vendido normalmente pelas empresas fabricantes, que evidentemente têm que recolher os tributos", explica Humberto Barbato, presidente da Abinee. >
Os minis celulares são dispositivos mais simples do que os smartphones modernos e suas funções incluem: chamadas de voz e SMS (principal função; fazem e recebem ligações e mensagens de texto), agenda de contatos, alarme e calendário, rádio FM, câmeras simples (alguns modelos têm câmeras de baixa resolução), calculadora e ferramentas simples, conectividade básica (alguns aceitam cartão SIM, podem ter Bluetooth simples, mas geralmente não rodam apps avançados ou rede social) e bateria de longa duração. >
Segundo a Abinee, as 180 unidades prisionais de São Paulo possuem scanners para barrar a entrada de celulares, mas criminosos têm arremessado os aparelhos por cima dos muros. Com a leveza dos minis celulares, o crime organizado passou a usar drones para entregar os dispositivos. >
Segundo o Sindicato dos Policiais Penais do Estado de São Paulo, os aparelhos chegam a ser comercializados dentro das prisões por altos valores. "É um objeto de 20 gramas, cerca de 10 cm, e tem um valor imensurável na cadeia que pode chegar a valer 20 mil reais pelo crime organizado", afirma Antônio Pereira Ramos, presidente do Sindipenal à Abinee. >
Ainda de acordo com a associação, em julho deste ano, cinco homens foram presos em flagrante no Pará, suspeitos de integrar uma quadrilha especializada em fraudar concursos públicos. Eles usavam os aparelhos compactos para repassar os gabaritos aos candidatos. >
Unidades prisionais >
De acordo com o Ministério da Justiça, das 1.386 unidades prisionais no país, 48% possuem scanner corporal e 47% Raio-X. Já 83% possuem detectores de metal e 86% são equipadas com raquetes de metal (detector de metal manual). >
Atualmente, a Bahia possui 27 unidades prisionais. Destas, apenas 16 estão equipadas com BodyScan e esteiras de raio X. Para o promotor Edmundo, além da necessidade de ampliação do equipamento, outras medidas precisam ser adotadas não só para impedir que os presos tenham o acesso aos minis celulares, a exemplo, o fortalecimento das ações que combate a participação de agentes públicos. "A estruturação mais efetiva da corregedoria, uma estrutura bem dimensionada para fazer frente a isso. No caso das unidades com cogestão, cabe a empresa agir com rescisão contratual e todos os casos devem ser encaminhados à Polícia Civil”, declara. >
Em março deste ano, o policial penal Francisco Carlos da Cunha foi afastado por cobrar taxas a detentos da Casa do Albergado e Egresso (CAE), em Salvador, para viabilizar pernoite fora da unidade. O agente foi alvo da segunda fase da ‘Operação Falta Grave’, que cumpriu mandado de busca e apreensão na casa dele. No ano passado, outros três foram presos na mesma ação. >
Há pouco mais de dois meses, o major Almir Filho, do Batalhão de Guardas (BG), foi preso, após tentar entregar um celular a um dos detentos da Cadeia Pública. >
BodyScan >
Um BodyScan (scanner corporal) em unidades prisionais é um equipamento de segurança avançada usado para detectar objetos proibidos no corpo de visitantes, servidores e presos, sem a necessidade de revista física completa. Os equipamentos utilizam tecnologia de ondas milimétricas ou raios X de baixa intensidade para criar uma imagem tridimensional do corpo. Eles conseguem detectar objetos metálicos e não metálicos, como: celulares, armas brancas e facas, pequenas ferramentas e objetos cortantes, drogas escondidas em embalagens ou no vestuário. A tecnologia não emite radiação nociva (em modelos modernos) e é considerada segura para humanos, inclusive crianças e gestantes. >
SEAP>
Desde o dia 07 deste mês, o CORREIO vem pedindo um posicionamento à Secretaria de Administração Penitenciária e Ressocialização da Bahia (SEAP-BA), mas sem sucesso.>