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Bruno Wendel
Publicado em 25 de agosto de 2025 às 05:00
As mãos que afagam, acolhem e embelezam, são as mesmas que agora erguem fuzis. Embora as mulheres sempre tenham participado do crime, seus papéis tradicionais eram, muitas vezes, limitados e subordinados, como o de mensageiras ou cúmplices de parceiros. Hoje, a realidade é outra. Estão na artilharia, no planejamento estratégico e até no comando das organizações criminosas na Bahia. >
E este protagonismo ficou evidente nos últimos meses, com a trajetória de Eweline Passos Rodrigues, de 28 anos, a ‘Diaba Loira’, desertora do Comando Vermelho (CV) e recém-filiada ao Terceiro Comando Puro (TCP) – ela morreu após o confronto entre as duas facções no último dia 15, no Rio de Janeiro. E aqui, este comportamento não é diferente. Se na capital fluminense existiu uma ‘Diaba’, em Salvador, há uma mulher à altura: a ‘Raposa do BDM’ ou simplesmente ‘Raposa’. Keila Luiza Silva Souza, assim como a criminosa carioca, fazia parte da artilharia e usava trajes do Exército Brasileiro para se camuflar na mata nos ataques contra os rivais, principalmente ao CV. Ela era “puxadora” dos bondes, ou seja, liderava os grupos de homens armados. >
Com mais sorte que a ‘Diaba’, ‘Raposa’ sobreviveu ao confronto que ela mesma comandou contra o CV, em abril deste ano, na Rua do Queijo, no bairro de Periperi, Subúrbio Ferroviário. Logo após o confronto, quando fugia, acabou presa pela polícia. A criminosa é ligada ao traficante “Salut”, um dos chefes do crime na região, e teria participado da execução, envolvimento na morte do traficante Tom, antigo líder do BDM no bairro. Ela já ostentou nas redes sociais fotos e vídeos com fuzis. >
Também do BDM, Kátia Macedo Souza, de 35 anos, está à frente da facção que opera em Cruz das Almas. ‘A Coroa’, como ficou conhecida, assumiu o posto após a morte do marido, o traficante ‘Nego do Borel’. Desde então, de acordo com a Polícia Civil, a criminosa comandou as ações da facção em Conceição do Almeida e em outras regiões do Recôncavo Baiano, atuando na lavagem de dinheiro e a prática de homicídios contra desafetos. Ela foi presa nesta quarta-feira (20), na BR-101, quando conduzia um carro de luxo. >
Outra potência feminina do BDM é a traficante identificada como Monique, presa no dia 08 deste mês, em Salvador, quando se preparava para visitar o companheiro, conhecido como ‘Motoboy’, líder da facção em Feira de Santana, que cumpre pena no Complexo Penitenciário da Mata Escura. Segundo as investigações, Monique atuava como gerente e, quando surpreendida pela polícia, pretendia visitar o companheiro para “repassar informações acerca do tráfico de drogas”. Na picape conduzida por ela, a polícia encontrou vasta quantidade de entorpecentes, 600 munições de vários calibres e R$ 30 mil.>
Comando Vermelho>
A advogada Andressa Cunha Rocha foi uma das 32 pessoas denunciadas pelo Ministério Público da Bahia (MPBA) na operação Skywalker, que investiga a atuação do CV em Feira de Santana – a organização contava com um núcleo formado só por policiais militares. Ela, que teve a prisão cumprida no dia 17 de julho, exercia um papel de liderança na organização: repassava dinheiro de origem ilegal e estruturava empresas de fachada. Andressa defendia Heverson Almeida Torres, o 'Mil Grau' ou 'MG', líder do CV na região. Ela repassou mais de R$ 1,2 milhão para Kalline de Oliveira, esposa de Heverson, e para contas ligadas a ele. Para a polícia, as movimentações "revelam sofisticada lavagem de capitais e financiamento das operações criminosas". >
A bela que mata ou manda matar. Assim também ficou conhecida no meio policial Jasiane Silva Teixeira, a ‘Dona Maria’, que carrega uma ficha criminal repleta de acusações de homicídios, roubos, corrupção de menores, falsidade ideológica e tráfico internacional de drogas com jatinho próprio. Presa em janeiro deste ano, Jasiane iniciou sua trajetória na criminalidade em 2008, quando foi presa com o primeiro marido, Bruno de Jesus Camilo, o ‘Pezão’, sob suspeita de tráfico de drogas e porte ilegal de arma de fogo. Após sair da cadeia, ela foi acusada de participar da execução de um agente penitenciário em Jequié, onde, segundo a polícia, matou outro bandido na cadeia a mando de seu marido, posteriormente morto. Na ocasião, ‘Dona Maria’ assumiu a liderança do Bonde do Neguinho (BDN) e fez aliança com Primeiro Comando da Capital (PCC). Em outubro do ano passado, a polícia interceptou um avião com uma carga de cocaína pura operando sob o comando de Jasiane. A aeronave era usada para trazer drogas e armas da Bolívia, Venezuela, Colômbia e Peru. >
Em outubro de 2022, um dos nomes em ascensão teria sido também um dos últimos de clã, que por muitas gerações esteve à frente do tráfico de drogas no Alto das Pombas. À época, Fabíola Floquet Miranda Caldas, de 32 anos, foi assassinada a poucos metros de casa. Filha da traficante Selma Floquet, presa em 2016 quando estava à frente do ramo da família, a jovem já se destacava no tráfico e seria uma gerente do BDM e por isso morta em ataque do CV.>
Igualdade>
Para a desembargadora do Tribunal de Justiça do Estado (TJBA), Nágila Brito, de modo geral, as mulheres têm brigado pela equivalência. “Isso é o princípio da igualdade, tratar desigualmente, desiguais na medida que se desigualam. E, é óbvio, que as mulheres não fogem à regra, seja para o bem, seja para o mal. Hoje, a mulher procura ser da alta cúpula de qualquer área, no Judiciário, no Ministério Público, na Defensoria, querem ser governadoras, e temos duas, querem ser prefeitas, enfim. Então, nessa área criminal. E eu acho que é algo que normalizou, o acesso das mulheres à criminalidade, infelizmente”, declara a desembargadora, que é também presidente do Colégio de Coordenadores da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar do Poder Judiciário Brasileiro (Cocevid). >
Nágila Brito pontua a questão da maternidade. “A gente chama que os filhos são vítimas secundárias em todos os casos, tanto na violência doméstica e familiar, como também em qualquer hipótese em que uma mulher é morta, ainda que ela responda a processos penais. São crianças que vão ficar órfãs e que vão ter todo um trauma, porque a presença da mãe, assim como a do pai, é muito importante para a formação da criança”, declara.>
Tráfico de saia: mulheres no crime