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Fernanda Varela
Publicado em 27 de julho de 2025 às 07:57
A enfermeira Maria do Socorro Sombra, moradora do interior do Ceará, afirma ter sido vencedora de uma aposta feita no site Lottoland e cobra na Justiça o pagamento de um prêmio que, segundo seus advogados, equivale a R$ 1,8 bilhão. No entanto, e-mails trocados entre ela e a empresa mostram que, no dia do sorteio da Powerball, ela própria admitiu já ter se confundido em outro jogo. >
Enfermeira processa Lottoland
“Da outra vez que ganhei, me convenceram que estava enganada, mas hoje não tem engano, os números que joguei, deram todos [sic]”, escreveu ela em uma mensagem enviada à Lottoland no dia 4 de outubro de 2020, às 18h03, data do sorteio.>
Apesar da convicção expressa na mensagem, a Lottoland contesta a versão da apostadora. Em nota enviada à coluna, a empresa afirma: “A Eu Lotto forneceu toda a documentação relevante – incluindo, mas não se limitando ao comprovante original da aposta da jogadora – a qual demonstra claramente que os números selecionados por ela não foram sorteados no prêmio principal da Powerball”.>
Maria do Socorro alega que, após o sorteio, não conseguiu acessar sua conta para comprovar a aposta e foi bloqueada pela empresa. A Lottoland nega ter feito qualquer bloqueio e informa que enviou, 15 horas após o primeiro contato da cliente, os comprovantes das duas apostas registradas por ela. Segundo os dados, a enfermeira acertou apenas um dos números sorteados, o que a deixaria fora do prêmio.>
A única “prova” apresentada por ela no processo é uma página de uma agenda pessoal com números anotados à mão. Já no dia 10 de outubro de 2020, a enfermeira chegou a tirar prints da tela do celular com as informações do próprio perfil na Lottoland e enviou para a empresa. As imagens mostravam que apenas um número batia com o sorteio, dado que já havia sido informado pela plataforma.>
Mesmo assim, os advogados da enfermeira alegaram que os números exibidos na tela eram os da aposta vencedora, o que foi posteriormente contestado pela Lottoland. A empresa apresentou, como resposta à ação judicial, capturas do próprio sistema interno, com todas as apostas feitas por Maria do Socorro.>
Em outro e-mail enviado por ela, no dia 7 de dezembro de 2020, o tom já era mais leve. Após resolver problemas de senha na conta, ela escreveu à empresa: “Ainda vou ganhar na Lottoland, até sonhei. Acredite!”. O trecho contradiz a narrativa de que ela já teria sido vencedora naquele momento.>
Outro ponto questionado pela Lottoland é o valor do suposto prêmio. Enquanto os advogados de Maria do Socorro falam em R$ 1,8 bilhão, o valor real do sorteio no dia 4 de outubro de 2020 era de cerca de R$ 244 milhões, segundo dados do próprio site da Powerball e da casa de apostas.>
Mesmo com os questionamentos, o processo segue na Justiça brasileira. Em junho deste ano, a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, por unanimidade, que a ação movida por Maria do Socorro deve ser julgada no Brasil, e não em Gibraltar, onde está sediada a empresa.>
Para o STJ, exigir que uma moradora de Quixeré, no interior do Ceará, entre em litígio em outro país seria “manifestamente desproporcional”. No voto, o relator, ministro Antonio Carlos Ferreira, destacou: “A exigência de que a autora litigue em Gibraltar imporia ônus manifestamente desproporcional, haja vista as significativas barreiras linguísticas, as substanciais diferenças procedimentais, os custos exorbitantes e a considerável distância geográfica. Tal imposição configuraria verdadeira denegação de seu direito fundamental de acesso à Justiça”.>
A decisão segue o entendimento da 2ª Vara Cível da Comarca de Limoeiro do Norte e do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE), que também consideraram abusiva a cláusula que determina foro estrangeiro para resolução de disputas.>
A Lottoland ainda pode recorrer da decisão.>