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Agência Correio
Publicado em 7 de novembro de 2025 às 09:00
No início do século XX, a britânica Mary Ann Bevan chamou a atenção do público londrino por um motivo cruel: sua aparência física, alterada por uma doença rara. Diagnosticada com acromegalia, ela ficou conhecida mundialmente como “a mulher mais feia do mundo”, mas sua história vai muito além do rótulo. >
Mary Ann nasceu em 1874 em uma família simples do interior da Inglaterra. Enfermeira por formação, ela se casou com o fazendeiro Thomas Bevan, com quem teve quatro filhos. A felicidade, porém, durou pouco: em 1914, a morte repentina do marido deixou a família em situação financeira delicada.>
Mary Ann Bevan
Para sustentar os filhos, Mary buscou trabalho em diferentes áreas, mas sua vida mudou após o diagnóstico de acromegalia — doença causada pela produção excessiva do hormônio do crescimento. As transformações em seu rosto e corpo foram rápidas e irreversíveis.>
Com o passar do tempo, suas feições se alteraram tanto que ela começou a ser rejeitada em empregos convencionais. Determinada a garantir o sustento dos filhos, Mary se inscreveu em um concurso local para eleger “a mulher mais feia do mundo” — e venceu.>
O título, embora cruel, abriu caminho para que ela fosse contratada por produtores de espetáculos. Mary passou a se apresentar em feiras e circos, sendo uma das principais atrações de um tipo de entretenimento que explorava “aberrações humanas”.>
Em 1920, Mary foi convidada para integrar o Barnum and Bailey Circus, o maior circo dos Estados Unidos, conhecido por seu elenco de figuras consideradas “exóticas”. Ali, ela performava ao lado de personagens como o “Homem com Cara de Leão” e a “Dama Tatuada”.>
Segundo registros históricos, o público a via como uma curiosidade viva, mas Mary encarava cada apresentação como um sacrifício necessário. “Era o preço que pagava para dar aos filhos uma vida melhor”, relataram cronistas da época.>
Durante suas apresentações em Nova York, ela chegou a ganhar cerca de 20 mil libras — o equivalente a mais de R$ 8 milhões em valores atuais. Com esse dinheiro, conseguiu garantir a educação dos filhos e reconstruir parte da estabilidade que havia perdido.>
Apesar da fama e do dinheiro, Mary nunca se sentiu à vontade com a imagem imposta pelo público. Em algumas entrevistas, tentava suavizar a própria aparência com maquiagens e roupas elegantes, mas sempre retornava ao palco para enfrentar o olhar da multidão.>
Segundo estudos da American Philosophical Society, Mary foi uma das primeiras mulheres a usar o próprio corpo como meio de subsistência em um contexto de opressão social. Sua história revela as contradições de uma época que transformava a dor em espetáculo.>
Mary Ann Bevan morreu em 1933, mas sua história ainda desperta debates sobre empatia, representatividade e o olhar social sobre a diferença. Hoje, sua trajetória é vista não como uma curiosidade, mas como um retrato de coragem e resiliência feminina.>
Segundo pesquisadores da Universidade de Londres, casos como o de Mary contribuíram para ampliar o debate sobre a dignidade das pessoas com doenças raras e deformidades físicas. A história de Bevan permanece como um lembrete da necessidade de humanidade — mesmo diante da dor.>
Mais de um século depois, Mary Ann Bevan segue lembrada não pela alcunha cruel, mas pela força de uma mulher que, diante da rejeição, escolheu lutar por amor aos filhos e pela sobrevivência.>