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Bruno Wendel
Publicado em 29 de setembro de 2025 às 05:00
A escalada da violência ganhou contornos ainda mais dramáticos em Salvador no último dia 22. O autista Marcos Vinícius Alcântara, de 26 anos, se assustou, correu, foi baleado e morreu. A família do jovem negro da periferia de Rio Sena acusa uma tropa da Rondesp como autora dos disparos. O fato aconteceu em menos de 15 dias após as três unidades das Rondas Especiais da Polícia Militar de Salvador e da Região Metropolitana se tornarem batalhões. O que é visto pelo comando como condição para operações planejadas e seguras, para entidades ligadas a direitos humanos, a medida se distancia da preservação de vidas. >
“Nós temos que pensar que, quando a gente opera a ampliação da autonomia de forças altamente letais, a gente perde a capacidade de controle do uso da força”, declara o sociólogo Dudu Ribeiro, cofundador e coordenador executivo da Iniciativa Negra por uma Nova Política sobre Drogas e integrante da rede de Observatórios de Segurança. O decreto que converteu as três Rondesp de Salvador (Atlântico, Baía de Todos-os-Santos e Central) e da Região Metropolitana em batalhões foi parte de um conjunto de reformas nas forças de segurança, promulgado pelo governador Jerônimo Rodrigues no dia 8 de setembro, durante uma cerimônia no Centro de Operações e Inteligência, em Salvador.>
Segundo o Anuário de Segurança Pública divulgado em julho deste ano, Salvador superou o Rio de Janeiro e é hoje a capital com mais taxas de mortes violentas do país - foram 1.335 óbitos, 420 aconteceram por intervenção de agentes de segurança do estado. “É um risco ampliar a sua autonomia sem contrapartida, conceder a capacidade do Estado e sobretudo dos civis de monitorar e controlar os efeitos do uso da força, sobretudo com o resultado morte”, reforça Ribeiro.>
Para o Instituto da Mulher Negra (Odara), a estratégia de fortalecer uma política de segurança que passa por mais batalhões, policiais e armas tem se mostrado “muito fracassada – ou muito eficaz, a depender do ponto de vista – pois continua a submeter territórios inteiros a uma violência extrema, ocasionando violações graves de direitos humanos (mortes, lesões graves, invasão de domicílio, interrupção de circulação de transporte público)”. >
“Se antes, com hierarquia e subordinação às CIPMs (Companhias Independentes), a Rondesp já era conhecida pelos excessos e abusos – muitas vezes sem a investigação e responsabilização necessária, procedimento que se inicia ainda no batalhão –, agora, gozando de autonomia para gerir suas próprias operações e respondendo a si, podemos, no mínimo, inferir que esse cenário de violência vai se agravar”, diz nota do Odara enviada ao CORREIO. >
Já o professor de Direito, coronel Antônio Jorge, disse que as Rondas Especiais “já deveriam ter comando próprio por várias razões estratégicas”. Ele elenca: autonomia operacional, especialização, flexibilidade, foco em resultados, profissionalismo e expertise, além da oportunidade de a tropa se desenvolver na carreira através do exercício do comando. >
“Quanto aos impactos para as comunidades, especialmente em regiões conflagradas, não temos muitas expectativas, pois, com o atual cenário, é difícil fazer uma estimativa, pois, determinadas áreas da cidade ficam aprisionadas em uma guerra urbana, que como toda guerra tem duas vítimas inocentes”, declara.>
Letalidade >
A reportagem repercutiu a reestruturação da Rondesp também com instituições que atuam direta ou indiretamente com o Estado no âmbito da segurança pública e direitos humanos. Uma delas é a Ordem dos Advogados do Brasil, seção Bahia (OAB-BA). Em nota, informou que “o executivo estadual tem autonomia para realizar a reestruturação das forças de segurança pública e o controle externo da atividade policial cabe ao Ministério Público”. >
O Ministério Público do Estado (MPBA) informou que acompanhará de “perto e com rigor a atuação dos novos batalhões para assegurar que o fortalecimento do comando se traduza em uma atuação mais técnica, na redução dos índices de letalidade e no aumento da segurança para toda a sociedade baiana”. >
“Com a designação de um tenente-coronel para o comando exclusivo de cada unidade, estabelece-se uma cadeia de comando mais clara e direta. A expectativa é que essa liderança presente resulte em maior controle sobre as operações e em uma supervisão mais efetiva da tropa, o que é fundamental para a qualificação das intervenções e para a responsabilização dos atos”, diz a nota enviada. >
Já a Secretaria de Justiça e Direitos Humanos (SJDH), por meio de nota, disse que, “por reconhecer que a alta letalidade policial é, de fato, um grave desafio a ser enfrentado em nosso estado, pretende acompanhar de perto a atuação policial desses novos batalhões criados, sobretudo por meio de instâncias competentes de Acompanhamento e Monitoramento dos índices de Letalidade Policial instituídas no âmbito do Programa Bahia pela Paz”. >
A expectativa da SJDH é que oficiais superiores que assumam os comandos desses batalhões sejam “rigorosos e implacáveis no controle dos preocupantes números de mortes decorrentes de intervenção policial em ações destas unidades, com adoção de medidas como as recomendadas pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública para o tema”. >
O órgão informou ainda que considera o sistema de câmeras operacionais corporais, implantado na Bahia desde março de 2024, “um valioso instrumento de transparência na ação policial que pode contribuir para o aprimoramento das atividades e, também, para o combate a casos de excessos no uso da força”.>
Inocentes mortos em ações policiais
Rio Sena >
Marcos Vinícius foi baleado durante uma operação da Rondesp BTS. Ele saiu de casa para buscar os sobrinhos na escola quando foi atingido. Segundo a família, ele usava um cordão de identificação do autismo e teria corrido, assustado, ao ver a aproximação de policiais. A mãe Maria do Carmo afirma que os disparos partiram da guarnição que fazia ronda no local. A PM, por sua vez, alegou que havia sido acionada por conta de uma troca de tiros entre criminosos e que encontrou Marcus já ferido. O caso está sob investigação. >
A morte do jovem foi a nona ocorrida em ações policiais no Rio Sena neste ano. Dados do Instituto Fogo Cruzado (IFC) registraram seis tiroteios em incursões das forças de segurança no bairro até a última quarta-feira (24). Ao todo, foram nove trocas de tiros na região nesse ano, com 12 mortos. O número apresenta um aumento expressivo em relação ao mesmo período do ano passado, quando o IFC identificou três confrontos armados, sendo dois em operações policiais, com uma vítima.>
“A população dos bairros negros e periféricos da cidade vive sob ameaça permanente, privada de ir e vir, violentada pela presença de grupo ilegais, mas também violentadas pelas ações do poder público, seja no uso da força letal, inclusive contra crianças e adolescentes, mas também pelas decisões de investimento precário na produção de oportunidades”, pontua Dudu Ribeiro. >
O CORREIO procurou a Secretaria de Segurança Pública (SSPBA) e a Polícia Militar do Estado (PMBA), mas até o momento não responderam. >