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Bruno Wendel
Publicado em 5 de novembro de 2025 às 05:00
Um plano ambicioso: tornar-se a maior organização criminosa da Bahia. Para enfrentar adversários, era preciso primeiro se enraizar em um terreno favorável — uma comunidade já dominada pelo tráfico. Não por acaso, o Comando Vermelho (CV) escolheu o Complexo do Nordeste como sua fortaleza. Além da geografia, com ruas e becos que lembram os morros cariocas, a consolidação do “QG” foi facilitada pelo fato de o território estar cercado por bairros de classe média alta, o que cria uma dinâmica de mercado e rotas de atuação estratégicas.>
“Qual é a periferia do Nordeste? Pituba, Itaigara, Caminho das Árvores, Cidade Jardim... uma situação diferente de outras comunidades de Salvador. É um mercado varejista interessante para o tráfico, que não está vinculado somente à área onde está. Quando se tem um bairro com um perfil de venda maior, você tem a possibilidade de ter um negócio bem atrativo e rotativo”, declara o professor de Direito da Estácio-FIB, coronel Antônio Jorge, nesta terça-feira (4), quando policiais civis iniciaram a Operação Freedom contra o CV na Bahia e no Ceará.
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Bairros de classe média e alta concentram boa parte dos usuários com maior poder aquisitivo, especialmente de cocaína e drogas sintéticas — produtos de maior valor agregado no varejo do tráfico. “O que acontece hoje lá é a mesma situação da Rocinha, que é cercada por bairros nobres”, afirma o especialista em segurança pública, ao comparar o Complexo do Nordeste com a Favela da Rocinha, um dos territórios dominados pelo CV no Rio de Janeiro e cercado por regiões de classe alta, como a Gávea e São Conrado. Assim, instalar o “QG” perto de áreas nobres facilita a distribuição e permite manter uma rede de entrega rápida — os chamados “disque-droga” ou “delivery do tráfico”.>
Cercado por bairros nobres, Complexo do Nordeste vira 'QG' do CV em Salvador
Essas comunidades ficam em áreas de trânsito intenso e boa mobilidade urbana, com vias de entrada e saída, que ajudam tanto no escoamento de drogas e armas, quanto na fuga das operações policiais. No caso do Complexo, o CV tem acesso rápido a avenidas como a Vasco da Gama, Juracy Magalhães, além da orla de Salvador. >
120 mortos>
No último dia 28, o Brasil voltou sua atenção para a operação do governo do Rio nos complexos do Alemão e da Penha, regiões controladas pelo CV e que deixaram mais de 120 mortos. No Alemão, boa parte dos óbitos ocorreu durante a fuga dos criminosos para a parte alta da favela, ocasião em que foi realizado um cerco pelas forças de segurança. Os traficantes repetiram a mesma estratégia de 2010, quando deixavam o local em motos e a pé, portando fuzis, durante uma operação policial. Na ocasião, a imagem rodou o mundo.>
Para Antônio Jorge, o método usado não seria recomendável no Complexo do Nordeste. “A única região de fuga que eu vejo é o Parque da Cidade, que, por sua vez, é bastante movimentado. O Nordeste é uma área muito complicada, bastante povoada. Veja o caso do menino Joel: ele não era alvo, mas toda guerra tem inocentes”, declara o especialista em segurança pública, ao citar a morte de Joel Conceição Castro, de 10 anos, baleado na cabeça dentro de casa, quando se preparava para dormir em 21 de novembro de 2010, no Nordeste de Amaralina.>
O Complexo do Nordeste é formado pelos bairros de Nordeste de Amaralina, Santa Cruz, Vale das Pedrinhas e Chapada do Rio Vermelho, e tem uma população de pouco mais de 68 mil habitantes, segundo o último censo do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), de 2022. O professor defende que, em territórios desse tipo, sejam aplicadas ações de inteligência, como foi a Operação Carbono Oculto da Polícia Federal contra a organização paulista PCC (Primeiro Comando da Capital), no dia 28 de agosto. Sem efetuar um disparo, foram bloqueados R$ 3,2 bilhões do tráfico.>
“Tem gente que acredita que, em uma guerra, vence quem tem mais poder de fogo. Mas ganha quem consegue acabar com o abastecimento do inimigo, cortando o fornecimento de combustível, o fluxo de suprimentos, medicação e até de recursos humanos”, declara.>
Inteligência>
O CV chegou ao Complexo no início de 2020, quando absorveu o extinto Comando da Paz (CP), que historicamente controlava o território. A partir daí, o grupo carioca passou a fazer frente ao seu maior rival, o Bonde do Maluco (BDM), que, na ocasião, recebia o suporte do PCC.>
Desde então, passaram a ser constantes os conflitos territoriais e situações antes vistas nos morros cariocas, como o emprego de fuzis e granadas e casos de moradores ameaçados de morte em cárceres privados, após criminosos invadirem residências para escapar da polícia. Mas não foi só isso. Salvador e Região Metropolitana passaram a sofrer com outras atividades do poder paralelo. No Complexo do Nordeste, Engenho Velho da Federação e Engomadeira, por exemplo, o serviço de internet é controlado pelo CV, que exige dos provedores locais uma taxa mensal que pode chegar a R$ 40 mil.>
Já em bairros como Alto das Pombas, Lobato e Cosme de Farias, os comerciantes, de modo geral, são obrigados a pagar “pedágio” para permanecerem no local. O dono de uma revendedora de gás, Gerson Leopoldino Andrade, na Baixa do Tubo, não quis pagar os R$ 7 mil — e acabou morto com vários tiros na presença da própria família.>