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Flavia Azevedo
Publicado em 15 de dezembro de 2025 às 22:39
A Ribeira é um pedaço de Salvador que não é "pra qualquer um". Fora da rota turística mais óbvia, este bairro carrega séculos de história e é fundamental para entender a alma da capital baiana. Turistas podem rodar à vontade, mas nenhum deles pode dizer que conhece a cidade se nunca andou por esse lugar que já foi crucial para a economia local e hoje é um espetáculo de cultura e lazer. A Ribeira, inclusive, forma um "trio de ouro" na península, fazendo a dobradinha boêmia com os vizinhos de fé (Bonfim) e de contemplação (Humaitá). Todos essenciais. >
Saveiro, Salvador e Recôncavo>
A Península de Itapagipe e a Ribeira são áreas mapeadas desde a chegada de Tomé de Sousa em 1549. Na Ponta de Itapagipe, hoje conhecida como Humaitá, Garcia d’Ávila já fundava uma olaria e um curral de vacas por volta de 1587. Cronistas antigos descreviam a Enseada dos Tainheiros - nomeada por ser um antigo local de pesca da tainha - como um esteiro tão fundo que grandes naus entravam, chegando a encalhar para reparos e calafetagem durante a maré baixa. >
Conheça os cantinhos da Ribeira
Durante aproximadamente quatro séculos, os saveiros foram o elo vital entre a capital e o Recôncavo, impulsionando a vida e o comércio. A Ribeira foi um dos pontos principais das feiras de Salvador, onde eram comercializados produtos trazidos do Recôncavo, como farinha de mandioca, fumo, açúcar e carnes defumadas. No entanto, a modernidade avança e, a partir da década de 60, os saveiros - adaptações resistentes e seguras de barcos portugueses - começaram a se tornar obsoletos.>
A criação do Ferry Boat em 1971 e a construção de rodovias, que reduziram o tempo de viagem em até cinco horas, foram decisivas para o desaparecimento gradativo dessas embarcações históricas. Os saveiros, então, perderam sua função comercial, cedendo espaço para novas tecnologias. Resta hoje a necessidade de conscientização sobre seu valor histórico e cultural para que não sejam extintos. Ver um saveiro com suas velas largas e coloridas é quase como encontrar um tesouro no mar. >
Hidroporto e gastronomia >
A Ribeira chegou ao século XX como um dos locais preferidos para o veraneio das famílias mais abastadas da Bahia, após a inauguração do requintado Solar Amado Bahia em 1901. Para quem aprecia história, o Solar Amado Bahia não só marcou uma época de luxo, como hoje abriga o Museu do Sorvete, transformando o passado do bairro numa experiência divertida e refrescante. Vale muito a pena visitar.>
Outra curiosidade deste pedaço da Cidade Baixa é que, no início do século XX, a Enseada dos Tainheiros abrigou um hidroporto, onde aeronaves de passageiros e patrulha amerissavam antes da existência do aeroporto, recebendo políticos ilustres como o Presidente Getúlio Vargas, além de artistas famosos. É importante lembrar que a Ribeira também foi um ponto nevrálgico da antiga Estrada de Ferro da Bahia ao São Francisco, um verdadeiro entroncamento de transporte na capital.>
O ponto alto de qualquer visita, contudo, é a parada na Sorveteria da Ribeira, um festival de gulodices inaugurado em 1931 que se tornou uma das tradições mais queridas da cidade. Conhecida por sua multiplicidade de sabores, todos feitos com frutas naturais, a sorveteria oferece mais de 60 opções, sendo o sorvete de tapioca o mais vendido e internacionalmente reconhecido. A tradição é tão forte que o point baiano conquistou a terceira posição entre os lugares mais lendários do mundo para provar sorvete, segundo uma pesquisa da enciclopédia gastronômica Taste Atlas. >
Cais >
O bairro, hoje, oferece aos moradores e visitantes uma orla completamente reconfigurada. Em 2015, o trecho da Ribeira foi entregue após um investimento de R$ 9,6 milhões, em 1,6 quilômetro de extensão, que incluiu nova pavimentação, paisagismo e realocação da fiação para o subsolo. >
A orla dispõe de equipamentos como pista semiprofissional de skate, academia de ginástica, e áreas para caminhada e bicicletas. O Estaleiro da Ribeira, próximo ao Bonfim, hoje é um excelente ponto de lazer tanto durante o dia quanto durante a noite, com uma infinidade de bares e restaurantes para todos os gostos e estilos. >
O bairro é um polo de atividades náuticas e regatas na Enseada dos Tainheiros. A travessia de barco para Plataforma, que sai em frente à Sorveteria da Ribeira, é uma imersão que, em menos de dez minutos, leva o visitante, por exemplo, ao famoso Restaurante Boca de Galinha, onde o "cadernato" (cardápio não fixo) garante moquecas deliciosas e fresquinhas. Um passeio imperdível!>
Ao final do dia, a Ponta do Humaitá, que faz parte do complexo da Ribeira, com a Igreja e o Mosteiro de Monte Serrat (datados de 1580 e 1679, respectivamente), se torna o palco de um espetáculo inigualável. Toda a costa está virada para o Oeste, permitindo que o pôr do sol seja apreciado em sua plenitude, criando uma ilusão de ótica onde o sol praticamente se põe "no mar". >
A Ribeira é, afinal, um bairro que convida a um mergulho duplo: um nas suas águas tranquilas (seja na Praia da Ribeira ou de Monte Serrat) e outro na história que cheira a sal e a baunilha. É onde a tradição e a modernidade navegam lado a lado na Baía de Todos os Santos, e onde a melhor maneira de terminar o dia é com um sorvete de tapioca na mão e o sol se pondo no mar. Você já foi à Ribeira? Não? Então, vá!>
Por @flaviaazevedoalmeida>