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O Santo Antônio Além do Carmo todo dia lhe diz: “aproveite, que só se vive uma vez”

Entre o muro caído e a nova efervescência, o bairro é um retrato do espírito livre de Salvador

  • Foto do(a) author(a) Flavia Azevedo
  • Flavia Azevedo

Publicado em 11 de dezembro de 2025 às 16:41

Santo Antônio Além do Carmo, em Salvador
Rua tranquila no Santo Antônio Além do Carmo, em Salvador Crédito: Maysa Polcri/CORREIO

Quem chega ao Santo Antônio, já está literalmente “além do Carmo”. Quem sabe, até, cruzando a fronteira do juízo e do decoro. É que esse é um dos trechos mais saborosos do Centro Histórico de Salvador, daquele jeito baiano que está sempre misturando história e prazer. De dia, o bairro parece uma vila bucólica de novela de época. De noite, é um lugar de espaços e acontecimentos que poderiam estar em qualquer metrópole contemporânea do planeta.

A história nos conta que a localidade se firmou no século XVII e ganhou o sobrenome “Além do Carmo” justamente porque ficava para lá do portão principal da Salvador colonial, que era cercada por muros, conforme você sabe. A área virou local de elite, morada de gente rica. Do século XIX em diante, essa mesma nobreza degringolou. Então, os casarões coloniais passaram a ser ocupados por gente menos abastada. A Igreja de Santo Antônio, marco zero do bairro, além de lugar de espiritualidade, foi palco de resistência. De lá, o Padre Antônio Vieira teria feito sermões conclamando os baianos a botar os holandeses para correr durante as Invasões Holandesas. Quase dois séculos depois, em 1823, também foi espaço de luta contra as tropas portuguesas na Independência da Bahia.

Yolo Café fica no mesmo prédio do Museu do Mar por Marina Silva/CORREIO

Foi pela Rua Direita do bairro que o exército de libertação do General Labatut passou em direção ao Terreiro de Jesus. Para quem gosta de um bom mistério de fé, a Cruz do Pascoal, erguida em 1743 por um devoto de Nossa Senhora do Pilar, continua lá, de pé, marcando um dos pontos mais boêmios do bairro.

No Santo Antônio, também está o Forte da Capoeira, que antes era o Forte de Santo Antônio Além do Carmo. Atualmente, o local abriga o Centro de Referência, Estudo, Pesquisa e Memória da Capoeira. É uma casa importante, consagrada a linhagens de peso da capoeira onde sempre são promovidas diversas atividades.

Bares e pôr do sol

Se o Santo Antônio já foi nobre e também decadente, hoje ele é, sobretudo, um dos reis da boemia baiana. Consolidado nesse lugar, o bairro viu suas ruas históricas serem tomadas por turistas e soteropolitanos, e seus casarões seculares se transformarem em um variado leque de estabelecimentos para o lazer. O Santo Antônio oferece inúmeras opções de galerias de arte, sebos, pousadas, restaurantes, cafés e bares, que vão do sofisticado ao “sujinho”. Tudo, na maior parte das vezes, é bom.

Porém, vou falar dos meus preferidos. É lá que reina o tradicional Ulisses, com suas mesas disputadas há décadas, e o La Lupa que, há mais de 30 anos, estreou o melhor da comida italiana na cidade. Tem também o A.B.O.C.A. Centro de Artes, ressuscitada dos escombros de um velho casarão, que promove noites memoráveis. Ainda tem o charme do Café e Cana e do Oliveiras Bar. Neste, se bebe o "gengibre" (mistura de raiz de gengibre, cachaça, limão e açúcar), que é uma tradição local. Tem também a delícia do Yolo Coffee Bar, com esse nome que significa "você só vive uma vez" (you only live once), anexo ao imperdível Museu do Mar Aleixo Belov. Fora, claro, os tradicionalíssimos bares no meio da rua, na Cruz do Pascoal.

E tem a vista do mar. Em dezenas de bares de todos os tipos, de um dos lados da Rua Direita, você se sente como em um transatlântico atravessando a Baía de Todos os Santos. Ou Kirimurê, como queira.

O Preço da fama

A beleza e a badalação que atraem famosos e ricos (eles compraram vários sobrados ao longo dos anos) trazem também a tal gentrificação, um tema delicado que permeia a vida dos moradores mais antigos.

O bairro, que já foi bastante acessível, viu o valor do metro quadrado aumentar em dez vezes num período de cinco anos, espremendo o povo que mora lá há gerações. Esse processo leva à bem-vinda reforma dos casarões por novos donos, frequentemente estrangeiros, mas resulta na expulsão dos moradores originais e na perda de parte da identidade do lugar. A intensa efervescência boêmia é, para os mais antigos, também um tormento, com relatos constantes de moradores reclamando de som alto, gritaria e urina nas ruas, principalmente durante o Carnaval que, a cada ano, leva mais pessoas ao Santo Antônio.

A segurança também é uma questão. Embora a área dos bares na Rua Direita seja considerada segura e policiada, a situação muda a poucos metros dali. O risco aumenta drasticamente ao sair do circuito boêmio, sendo desaconselhável transitar à noite pela vizinhança.

O Santo Antônio Além do Carmo é, ao mesmo tempo, um refúgio histórico preservado, um cenário da cultura e da diversão, e um "não lugar" imposto por um modelo excludente de ocupação. O bairro vive no encaixe e desencaixe de forças, assim como a capoeira: um passo de poesia e outro de porrada, com a ginga no meio. Por tudo isso, é um dos territórios mais apaixonantes - e complexos - de Salvador. E você? Conhece o Santo Antônio ou ainda não teve o prazer?

Por @flaviaazevedoalmeida